O enganado

A vida de muitos casais vista perante o exterior, portanto, fora do perímetro familiar centrado no interior da habitação, é um total engano. Na rua andam de mãos dadas, de falinhas mansas e a espargir sorrisos. Em casa, surge o conflito, podendo caminhar para a agressão, aliado à intriga, num enredo de incompreensão e indiferença, pautado, em certos cenários, de um ciúme doentio e prevaricador.

O casamento envolve uma união celebrada perante a lei, ou fora dela, entre duas pessoas de sexos diferentes ou iguais, que passam a constituir uma família. Há diversas espécies de matrimónios. Através dos tempos tem-se vindo a pautar, alguns destes actos, por mera conveniência. A união de facto ou de direito, nestes casos, não é determinada pelo amor recíproco das partes, mas por interesse material ou de outra natureza de um dos lados ou de ambos.

Neste panorama desenvolve-se a relação da Rita e do Carlos. Afirmam que o interesse da boda centra-se, somente, na lua de mel. O resto é rotina.

O casamento deles, realizado há pouco tempo, corria com plena satisfação, tratando o marido a jovem esposa com carinho. O esposo estava a cumprir o que tinha prometido. Deixou a brutalidade e o machismo de que era protagonista no seu primeiro casamento, que acabou em divórcio, na barra do tribunal, além de pena suspensa que lhe foi aplicada.

Para a Rita, secretaria de profissão, tratava-se da sua primeira união legítima, porque possuía um vasto currículo no relacionamento da convivência humana. Para ela, recente casada, surgiu-lhe um problema que a preocupava. Há duas semanas que a menstruação estava atrasada. Poderia estar grávida. Consultou o médico. Fez o exame e deu positivo. Ao fim da tarde foi a primeira a chegar a casa. Quando o Carlos apareceu, abraçando-o, de rompante, soltou a frase:

  • Estou grávida!
  • Mas — fez pausa — como aconteceu? — Surpreendeu-se o marido.
  • .. — a sorrir, mostrando calma — Sendo! Ora! — Atalhou, a seguir, a Rita.
  • É … — apareceu o silêncio — Tem aquele detalhe, não é verdade? — Deixando no ar a interrogação.
  • Eu sei. Pode ser filho do Sérgio — admitiu a Rita.
  • Se for, não tem problema – concluindo – Assumo a paternidade.

O casamento deles desenvolveu-se muito rápido. Foi amor à primeira vista. A moça, na aparência, pretendia criar um suporte de estabilidade ao dar a conhecer, em parte, os contornos do viver em que estava envolvida. Razão, portanto, pelo facto de ter informado alguns dos meandros amorosos que a ligava a outro homem. Jurou, para o futuro, fidelidade.

Relacionado com o compromisso tomado pelo marido, no seu íntimo, custava-lhe a acreditar que aceitasse ser progenitor de um filho proveniente de outra pessoa. Realmente, se for verdade – pensou – o Carlos havia mudado muito. De machão inveterado transformou-se, então, num autêntico ser apaixonado e sem se preocupar com a origem da criança. Será pelo facto de estar a cumprir pena suspensa? – interrogou-se agora a Rita.

 

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A gravidez foi tranquila. Rita agendou o parto e o bebé – um rapaz – nasceu normal, mostrando plena saúde.

O menino chegou. Junto com ele o fantasma da dúvida. O Carlos não sabia, ao certo, se era o pai da criança.

O tempo foi passando… Deixaram de falar na situação. Marcaram o baptizado, que se tornou numa festa carinhosa e agradável, juntando a família dos dois lados.

Naquele ambiente o Carlos não se sentia à vontade, embora tivesse cumprido a promessa da paternidade, registando o nascido. O casal foi conivente com a dúvida a pairar no ar. Como no íntimo não se sentia pai do rebento, que só se parecia com a mãe, agia de uma forma bastante controversa. Não ajudava na troca da fralda, nem tão pouco quando o bebé chorava de noite. Não acompanhava a mulher na ida ao pediatra. Era uma conduta anormal de um casal ainda jovem na presença do primeiro filho.

Certo dia, a Rita chegou a casa e soltou a grande notícia, falando de uma só vez, ao afirmar, sorridente, com ênfase de alegria:

  • Saiu o esperado resultado. É teu filho! Quis fazer-te uma surpresa. Peguei num fio do teu cabelo que encontrei no pente no quarto de banho, a fil de servir de suporte à pesquisa laboratorial.
  • — Não acredito! Que bom, meu amor! Deixa-me pegar no Joãozinho, deixa-me! – Não paravam as manifestações de alegria.

O Carlos festejou o acontecimento, parecendo que estava a ver o menino pela primeira vez. Naquela noite nem dormiu. Deu-lhe o biberão. Trocou-lhe a fralda. Ficou a vigiar o sono da criança, tudo o que um pai extremado executa com agrado.

No outro dia foram trabalhar. Foi ele que levou o menino ao infantário. Em paralelo, fez questão em propor à esposa:

  • Vamos voltar, hoje, mais cedo dos nossos afazeres para a gente dar um passeio. Nós os três, como em família! – a sorrir – Que, aliás, somos!

Quando o Carlos saiu, a Rita pegou no telefone, informando para o outro lado da linha:

  • Hoje não vai dar. O Carlos chega mais cedo, e não sei ao certo a hora.
  • Já lhe disseste que era o pai? – Falaram da outra banda.
  • Já, sim. Ficou radiante.
  • Ainda bem… – pausadamente – Tudo resolvido! – Afirmou o Sérgio.

Nota: Este conto, por vontade do autor, não segue a regra do novo acordo ortográfico.

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