“Eles têm direito a um lugar na sociedade”

A Fundação AMA nasceu para colmatar uma lacuna na região Norte de apoio aos cidadãos autistas. Dora Brandão, enquanto diretora Executiva, explica a missão da instituição e fala dos projetos futuros.

A criação do CAMPUS AMA é inovador e pretende preparar os utentes com autismo para o mercado de trabalho. “É um projeto de empregabilidade, direcionado a utentes com idade superior a 16 anos, para ter autonomia e integrá-los no mercado de trabalho”.

As instalações da Fundação, sedeadas na freguesia de Areosa, são cedidas por comodato pelo Instituto Maria Auxiliadora, contudo, a diretora Executiva admite a vontade em adquirir o espaço.

Há quanto tempo existe esta a Fundação AMA em Viana?
Esta Fundação foi criada em 2008, por pais de pessoas com autismo.

Não havia nenhuma resposta para estas pessoas na região?
Na região do Norte não havia qualquer resposta. Ainda somos a única instituição vocacionada para o distrito todo e abrangemos Barcelos e Esposende. O nosso protocolo celebrado com a Segurança Social na implantação de terapias abrange esta área.

Estão vocacionados, em exclusivo, para portadores de autismo?
Sim. Para além do apoio em várias valências, os nossos técnicos especializados acompanham também o diagnóstico de muitos casos, porque nem sempre é fácil. O autismo é desde que se nasce até morrer, porque não há cura, por isso a necessidade da instituição também crescer nesse sentido.

Precisam de apresentar soluções para as várias idades?
A nossa missão é promover o apoio e valorização da pessoa com Perturbação do Espectro do Autismo, através de iniciativas que facilitem a promoção e proteção da saúde, bem como a integração social e comunitária, proporcionando sempre a melhoria da sua qualidade de vida e das suas famílias.

É importante também esta componente das famílias.
Há vários graus de autismo, mas mesmo nos graus mais moderados, o apoio familiar é essencial. A pessoa que tem autismo evoluiu sempre, por isso é necessário esse acompanhamento familiar.

As terapias que disponibilizam abrangem certamente várias áreas.
Sim, vão desde a terapia da fala, psicologia, a terapia ocupacional, a psicomotricidade, entre outras.

Nas instalações, na Av. São João Bosco, é onde ministram as terapias?
Nós temos três valências: o apoio em regime ambulatório, temos um protocolo com a Segurança Social e apoiamos 114 utentes e as suas famílias. Este regime disponibiliza as terapias quer aqui nas nossas instalações, mas também nas casas dos utentes. Com esta preocupação de ir ao local de residência, temos polos de terapias em alguns locais, em Ponte de Lima, em Barcelos e Esposende e nas diversas escolas do distrito.

E qual são as outras duas valências?
Temos também protocolado com o Estado o Centro de Atividades Ocupacionais e funciona na escola de Darque para 13 utentes.

E só funciona nesse espaço?
Sim, e temos lista de espera. E, por isso no nosso Plano de Atividades, queremos alargar este Centro de Atividades Ocupacionais. Fizemos uma candidatura ao programa PARES para alargamento deste. A nossa ideia é também descentralizar e ter outros espaços em outros concelhos.

Neste momento estão num espaço cedido.
Sim, este espaço é das Irmãs Maria Auxiliadora, e foi-nos cedido por comodato. E o que queríamos era adquirir este espaço para criar aqui um Centro de Atividades Ocupacionais. Queríamos concretizar este projeto ainda este ano. E para além deste, nós fizemos uma candidatura a um projeto de Inovação Social, que foi aprovado, o projeto chama-se CAMPUS AMA. Este projeto é financiado, em parte, pelo Fundo Social Europeu, mas 30% do apoio tem de ser através dos chamados investidores sociais.

E quem podem ser estes investidores sociais?
Estamos a tentar junto das câmaras municipais, de onde são oriundos os oito utentes integrados neste projeto. Mas podem ser também as empresas. Já foram aprovados protocolos com Viana do Castelo e Caminha. Este projeto é para três anos e temos uma expectativa de envolver 60 utentes.

Em que consiste o CAMPUS AMA?
É um projeto de empregabilidade, direcionado a utentes com idade superior a 16 anos, para ter autonomia e integrá-los no mercado de trabalho. Nós criamos um espaço, de forma simples, onde os nossos utentes, integrados neste projeto, aprendem a gerir o dia a dia. Ao ponto de o projeto permitir também que eles pernoitem aqui no espaço. Há o desenvolvimento pessoal e social e depois fazemos a ponte com o mercado de trabalho.

E já tem locais previstos para isso?
Sim, já temos, apesar da pandemia. Através da Câmara de Viana conseguimos uma loja social no Mercado, que nos permite fazer essa ligação. Já temos protocolos com cabeleireiros para os nossos utentes tratarem das toalhas. Já temos um utente no Aquamuseu de Vila Nova de Cerveira. No final dos três anos, de duração do projeto, queremos criar um gabinete para que se faça o mesmo trabalho na instituição.

Com a pandemia de Covid-19 a vossa ação foi condicionada? Quais as principais dificuldades?
Nós consideramos que somos um serviço essencial, e por isso não fechamos. Só encerramos aquilo que a lei nos obrigou, que foi o Centro de Atividades Operacionais. Em 2020, nos períodos mais graves, fizemos algumas terapias à distância, mas nunca deixamos de fazer o suporte às famílias. Fizemos também aulas de educação especial, com uma professora, porque sentimos necessário, uma vez que as escolas estavam fechadas e faltava este apoio. Começamos também a disponibilizar aulas de música, porque um monitor tinha esta competência e resolvemos implementar. Outra coisa muito importante foi a terapia com animais. Uma terapeuta traz o cão e faz esse trabalho. A pandemia para os autistas também trouxe, para alguns, alguma serenidade, porque eles não gostam de confusão. Por isso, eles em teletrabalho funcionam muito bem. Eles funcionam com objetivos e aqui temos uma oportunidade para os colocar no mercado de trabalho.
Na altura da pandemia, o Estado manteve os apoios à instituição, e isso garantiu-nos continuar a cumprir a nossa missão.

A preocupação é essa torná-los o mais autónomos possível.
Claro, porque eles têm direito a um lugar na sociedade. Nós temos a obrigação de procurar um lugar onde eles podem efetivamente desempenhar as funções. Nós não podemos pedir aos pais para deixar de trabalhar para acompanhar um miúdo quando termina o ensino, quer seja secundário ou até universitário. Esta é uma obrigação social, não só do Estado, mas de todos nós. A nossa instituição tem de fazer esse caminho e pregar isso mesmo. A nossa função é dar as ferramentas.

A sociedade respeita a diferença?
A sociedade vai respeitando a diferença. As pessoas estão mais abertas.

Quais as principais dificuldades em implementar a vossa ação?
Uma das dificuldades é fazer acreditar os outros. Nós, enquanto instituição temos de os trabalhar aqui, mas depois devemos soltá-los e deixá-los voar. O nosso papel é prepará-los para a vida, não é fechá-los. Há alguma resistência também dos pais. Há uma superproteção. Nós só lhe fazemos bem, se os conseguimos deixar voar. Nós sabemos que eles têm de ter sempre uma retaguarda, mas pode não ser a família. Nós devemos ir entregando.
Há outra questão, que é a caridade. Eles são cidadãos e têm direitos. Os miúdos com autismo, como são muito ligados ao meio, a resposta tem de ser dada nos locais de residência. Os autarcas têm de entender que ao dar resposta a uma criança/jovem com autismo estão a permitir que uma família se fixe nessa comunidade. A pessoa fica onde tiver resposta.

As autoridades, administração central e local, são sensíveis às vossas preocupações?
Há alguma reticência. A nível nacional, nem tanto, porque a nível legislativo tem alterado. Há uma preocupação que começa a passar. A lei n.4/2019 impõe quotas às empresas para contratar pessoas com deficiência. Nós vamos preparar os nossos autistas para desempenhar várias funções. E já sabemos que há empresas interessadas em cumprir.

Quais os vossos projetos a curto prazo?

O projeto é continuar com o CAMPUS AMA e conseguir empregos efetivos em 2021. E queríamos muito a residência autónoma e o lar residência para 10, que foi outra candidatura que fizemos. Não há nenhum lar para pessoas com autismo no distrito. Eu acredito nas instituições humanizadas. As instituições proporcionam pessoas capazes.

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