José Salgado, presidente da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Viana do Castelo em entrevista

À frente da Associação desde 2018, José Salgado congratula-se por a Câmara considera-los como “Instituição de Mérito”. Sobretudo, porque no ano que passou estiveram “antes da primeira linha” de combate à pandemia do novo coronavírus e até ao momento não tiveram casos na Corporação.
Lamentando o pouco apoio da Autoridade de Proteção Civil, o presidente fala do esforço financeiro feito para que o socorro dos vianenses e altominhotos não falhasse.

Como está a ser exercer a função nestes tempos tão atípicos?
A função de Bombeiro não alterou no essencial, a não ser a questão da utilização constante dos equipamentos de proteção individual. Temos de proteger os nossos Homens e deixá-los devidamente protegidos e não serem vítimas e estarem disponíveis para atender outras ocorrências. Estamos desde março nesta situação.

Mas houve redução em alguns serviços.
Sim reduzimos nos serviços de transporte de doentes para consultas, fisioterapia, porque foram praticamente todos cancelados. Neste contexto, como sabe a nossa Associação explora o parque de estacionamento junto ao hospital e aquele parque praticamente parou, deixou de ter carros lá estacionados.

Tiveram também essa quebra de receitas.
Em março, abril, maio e junho nós cedemos o parque graciosamente a todos os profissionais do hospital para que estacionassem. Ainda atualmente estamos praticamente sem receitas. E isso era uma grande ajuda ao nosso dia a dia. Isto não é uma Associação, é uma empresa, que movimenta diariamente muito dinheiro. De março para cá, tivemos uma quebra de mais de 20 por cento nas receitas. Veio um subsídio, na semana passada, da Comunidade Europeia, a fundo perdido, e foram 17 mil euros. Não é nada.

Quantos funcionários?
Profissionais assalariados temos 40, quer bombeiros, telefonistas, quer pessoal do serviço administrativo. O que nos deixa um pouco satisfeitos é saber que conseguimos manter tudo a funcionar e não houve ninguém que tivesse ficado sem o vencimento ao final do mês. Tivemos algumas dificuldades para o pagamento dos subsídios de férias e natal.

Como conseguiram cumprir, porque tiveram quebras tanto nas receitas do estacionamento do hospital, mas também nos serviços de transporte de doentes.
As verbas que chegavam aplicávamos aos vencimentos. Neste momento, aquisição de material só o que é absolutamente indispensável, como é o caso dos equipamentos de proteção individual (EPIs).

Mas também tiveram aumento de despesa nessa matéria.
Sim, aumentou bastante. Nós tínhamos uns 40 a 50 equipamentos quando a pandemia começou. Depois tivemos de ir ao mercado, mas não é fácil, porque joga muito com os preços e houve momentos em que estava esgotado. Aí a grande ajuda foi a Câmara Municipal, que nos apoiou e fez chegar verbas para que tudo isto funcionasse sem grandes sobressaltos. Há um ano, em janeiro de 2020 tínhamos pedidos as duas novas ambulâncias e tivemos de manter esses negócios. Nós agradecer só temos de o fazer junto da Câmara Municipal que nos apoiou e estava sempre preocupada a perguntar se estávamos a cumprir com as nossas obrigações.

Há dias a Autoridade Nacional de Proteção Civil anunciou a transferência de apoios às Associações. Já sabem quando vão receber? E quais os valores?
Anunciaram que iam transferir milhões e depois ficam-se pelos tostões. Essas verbas vão chegando para liquidar dívidas anteriores da Autoridade. Houve processos dos fogos florestais de Verão, que só foram liquidados agora em janeiro. A Autoridade deu-nos cerca de 100 a 200 máscaras. O que tivemos de fazer. Fomos à Câmara. Como estava a equipar o hospital de retaguarda e fornecia para outras instituições pedimos também ajuda. E a Câmara ajudou-nos nesta matéria.

Mesmo a realização dos testes é assegurada pelo Município.
Nós aqui felizmente não estamos muito preocupados com os testes.

Mas nunca tiveram casos positivos?
Tivemos ameaças, por contacto com familiares. Desde março até agora [15 de janeiro] temos cerca de 1100 covids transportados, quer dizer que tivemos de gastar o dobro de EPIs, foi 1100 vezes que tivemos de desinfetar os carros, higienizá-los. A Câmara forneceu-nos um equipamento para desinfetar.

Há dias veio também a público a diferença dos valores dos transportes de doentes entre o Algarve e o resto do país.
Sim, nós para fazermos, por exemplo, um serviço de 20km, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) paga-nos 7,5 euros. A ambulância para ir lá e vir, num espaço de uma hora de serviço, custa-nos, no mínimo, 20 euros. E depois, caso tenhamos de pôr, os EPIs temos mais essa despesa, que são, pelos menos 25 euros, para cada. É incompreensível que a ARS Algarve pague 55 a 85 euros para um serviço de 20km e o resto do país fica-se pelos 7,5 euros.

E a que se deve essa diferenciação?
Se calhar há mais interferência de força política. A pergunta já foi feita à ARS Norte, que respondeu que a portaria que rege esse serviço diz que é esse o valor a pagar (7,5 euros). Mas a portaria é de 2012 e já há algum tempo que queremos esta revisão. Nesse ano não se falava de covid, e nem era preciso transportar doentes com equipamento de proteção individual.

E o INEM?
O INEM, para fazer o serviço nos 20 km, pagam-nos cerca de 11 euros. Mas no outro dia tivemos de levar um doente do local do acidente para o Porto e pagou-nos 24 euros. Mas continuam os bombeiros a subsidiar o Estado e o INEM.

Na aquisição dos EPIs qual o valor que já gastaram?
Ainda não temos o valor total, porque só fechamos as contas em março, mas acredito que devemos estar a atingir os 50 mil euros. Os nossos carros, nestes últimos tempos, têm estado todo o dia na rua.

Tem tido mais solicitações?
Sim, nos últimos dias, quer transporte de covids ou ameaças têm sido uma constante. O número de serviço aumentou.

Qual o valor do vosso orçamento anual?
É de 1,800 milhões de euros.

Mas este ano certamente será maior.
Ainda não temos preparado porque estávamos à espera que fosse marcada uma Assembleia, porque é também eleitoral. Nós estamos em final de mandato. Há muita coisa que tem de ser feita. Seja quem for o próximo presidente vai ter de tomar medidas muito sérias. Nomeadamente, vai ter de escolher um Comandante para a casa, porque neste momento temos um em substituição. Vai ser muito importante definir o futuro desta casa. Um futuro que não sabemos como será. Pelo menos, durante um ano vamos continuar com este cenário. Não é fácil aguentar uma casa desta com um orçamento tão elevado e com os subsídios tão pequenos. A Autoridade dá-nos, num ano normal, cerca de 7% do nosso orçamento. E o resto…

Onde vão buscar os 93%?
É a tal ginástica que temos de fazer. Temos sócios, que também não são muitos. Os pagantes são pouco mais de 1900.

A comunidade vianense não é próxima da Corporação?
Infelizmente não é. Porque vejo outras muito próximas, a de Barcelinhos, por exemplo, tem 90 mil sócios. Toda a gente colabora e sentem os bombeiros como uma arma deles.
Aqui não vemos isso. Nós somos uma Instituição sem fins lucrativos, por isso tudo o que ganhamos é para colocar ao serviço da população.

Mas esse distanciamento sempre aconteceu?
O arrefecimento verifica-se de há uns anos para cá. Quando digo às pessoas que podem ajudar os bombeiros com um euro por mês, a pergunta é: “O que ganho em troca”.

Apesar disso vão ser uma das instituições de mérito, que será distinguida na cerimónia do Dia da Cidade, que acontecerá em março. Como receberam essa homenagem?
Acho que é justo. E acho bem que a Câmara considere os bombeiros como parceiro também das responsabilidades que a mesma tem para com a comunidade. Nós estamos aqui para ajudar no que for necessário. Apesar de tudo o que está a acontecer. Por exemplo, há escolas de bombeiros que estão paradas e não podemos formar novos bombeiros, apesar das necessidades de novos profissionais.

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