Methamorphys aposta na inserção dos sem-abrigo

“A arte como alavanca de um novo projeto de vida” é a recente aposta da associação Methamorphys para pessoas em situação de sem-abrigo do território do Alto Minho, no âmbito do projeto “Cultura para Todos” que está a ser dinamizado pela CIM Alto Minho.

Com a designação de Insert’Arte, esta iniciativa compreende o desenvolvimento de uma oficina ocupacional, orientada por monitores artistas, com o propósito de criar e consolidar dinâmicas de expressão plástica.

Os trabalhos resultantes deste processo criativo integrarão, posteriormente, uma exposição que será aberta ao público. Como complemento, serão realizadas, em datas a definir, diversas palestras/ tertúlias subordinadas ao tema “Inserir através da arte”, no sentido de promover a interação entre os vários atores do processo.

A oficina ocupacional faz parte do projeto “Inclusão ativa de grupos vulneráveis – Cultura para Todos”, cofinanciado pelo PO-Norte 2020, através do Fundo Social Europeu.

Jorge Viana (na foto) é o presidente da Methamorphys. Ao A AURORA DO LIMA fala com entusiasmo deste novo projeto .

Parceria com a CIM

“A oportunidade surgiu com a Comunidade Intermunicipal (CIM Alto Minho) e há 13 anos que as atividades culturais da Methamorphys são um meio comum para nós.  Lançar novos artistas vianenses sempre foi um desiderato. A cultura é sempre uma parte muito importante como inserção comunitária. Uma alavanca para um projeto de vida”, observou.

“A questão da Cultura e dos sem abrigo foi uma ideia que me surgiu para todo o conceito de arte. Quando precisamos de pintar um quadro ou escrever um livro, temos de ter alguns momentos de decisão. Primeiro é aquela angústia do vazio, o que a gente vai fazer. Precisamos de nos concentrar e escolher o tema. Depois reunir todos os meios suficientes para conseguir levar o projeto que temos em mente para a frente. Se repararmos, é isto que faz falta à nossa população sem abrigo para conseguir mudar de vida”, explica.

O projeto abrange os sem abrigo de todo o Alto Minho.  “No Casulo temos sem abrigo de todo o distrito. O conceito dos sem abrigo, muitas vezes, está mal trabalhado. Muita gente vê-os como aqueles que estão a dormir e à chuva. Não é só isso. É muito mais abrangente; os do Casulo, enquanto estiverem aqui, são sem abrigo institucionalizados. Outros mais difíceis, que lidamos com eles há anos, mas não querem ajuda. De repente, se os conseguimos cativar para a oficina poderá ser um excelente motivo para abraçarem um novo projeto de vida”, considerou.

Diferentes fases

“A primeira fase é a consciencialização comunitária. Vamos fazer workshops sobre o tema. Convidar artistas, comunicação social e falar sobre eles. Tanto a arte, como a inclusão, seja ela pintura, teatro…. Estou a tentar elencar ao nosso projeto outras associações, especialmente o Espaço T, do Porto, que tem feito um trabalho fantástico. Se alinharem e vierem cá, podem participar em várias atividades. “, observa.

E prossegue: “Depois, queremos também convidar alguns artistas reconhecidos do distrito para finalizar esta grande atividade com uma exposição coletiva. Serão pessoas que já têm o seu nome bem implementado no mundo da arte. Vai ser pintura, escultura, fotografia e teatro. Os ‘nossos’, no final, vão fazer uma exposição coletiva com outros artistas vianenses de renome. Mais uma vez, o que está aqui em causa é a inserção comunitária. O orgulho do artista que, depois, vê a obra exposta e que serve, também, para se voltar a inserir comunitariamente”.

O projeto pode abranger de oito até 18 pessoas. Quem está a orientar este grupo de pintura é o Cipriano Oquiniame. O objetivo de cada um dos participantes é fazer um quadro. As atividades são ao sábado e decorrem até abril de 2023. Os integrantes podem escolher entre pintura, escultura e fotografia. A conclusão vai a inauguração da exposição. Entretanto, vão acontecer tertúlias.  Os palestrantes vão ser os artistas convidados.

Jorge Viana observa que o “projeto é abordar a arte, a questão dos sem abrigo, as motivações e a condição de sem abrigo; trazer esta consciência à população e envolvê-la. É “provar que a arte pode ser a grande alavanca para a mudança de um paradigma”.

Os sem abrigo podem sair da instituição, mas continuar no projeto? – questionamos. “Nos nossos projetos de vida, eles saem quando têm um emprego, uma casa, nem que seja partilhada, e algum acompanhamento. Isso não é feito numa semana, nem num mês. Os que não vão participar, normalmente, é por terem alguma alguma dificuldade de tempo, pois já tem emprego. Outros têm formação profissional  é por isso que, à semana, têm alguma dificuldade em estar nas atividades, mas podem participar ao sábado. É sempre adaptado às pessoas, conforme o percurso delas. Um dos nossos grandes objetivos é formação-profissão- estruturação de casa-habitação”, afiança o presidente de Methamorphys.

Mudança de atitude

Jorge Viana enfatiza: “Quando queremos fazer a inclusão pela arte, muitas vezes é através da mudança de atitude.  Uma pessoa que é sem abrigo e o motivo pela qual o é, para além da saúde mental estar  muito vocacionada aqui, tem muito a ver com a  desestruturação familiar. Vamos supor que o problema do sem abrigo é o álcool. Uma pessoa alcoólica acorda com o álcool e adormece com o álcool. Tudo que ela faz durante o dia é em função dele. O que é que pretende este foco? É conseguir, através da arte, e do que é necessário, das motivações necessárias, um projeto artístico e o entusiasmo que pode trazer, da atenção comunitária, da atenção imediata, do próprio achar que não consegue e vê que, afinal,  consegue. Ele tem um monitor a acompanhá-lo e chega ao fim realizando um projeto. Quando percebe que o seu projeto que, ao princípio, era uma folha em branco, acabou numa coisa que gostou e conseguiu, também questiona: Porque não consigo mudar de vida? Porque não consigo focar-me da mesma forma para fazer uma desabituação? Porque não posso criar rotinas? Porque não posso criar expectativas? Porque não posso mostrar o que eu sei e o que valho aos outros? É tudo isto que a arte, muitas vezes, nos traz. Procuramos que ele leve pela vida fora o projeto de vida. Isso é fundamental”.

Outra coisa que preocupa os responsáveis da Methamorphys é a vontade para estabelecer um projeto com a Segurança Social e, também, o acompanhamento dos projetos conseguidos.

Jorge Viana aponta mesmo casos concretos em que foi notória a necessidade de acompanhamento. ”Um dos grandes problemas que temos, em pessoas com aditivos, é substituir o aditivo. O problema é que a maior parte deles desgraça a vida. Às vezes, estão no Casulo, meses e meses, a fazer um pé de meia para, quando saírem, terem algumas rendas para poder pagar e enfrentar a vida… e são capazes de, numa semana, gastarem as economias todas. Conhecemos casos de gastarem cinco a seis mil euros numa semana. O CRI – Centro de Respostas integradas – que temos cá em Viana do Castelo e que acompanha a maior parte dos que têm problemas de aditivos já englobou, com as  drogas e o alcoolismo, o jogo. Acompanha pessoas com problemas de vício de jogo. E com uma incidência muito grande nas classes altas, com fulanos a gastarem [nos casinos] verdadeiras fortunas por mês.”

Espaços 

pelo distrito

As atividades do programa decorrem, essencialmente, em dois espaços. No ateliê de Cipriano Oquiniame e na sede da Methamorphys, na rua da Bandeira. O ateliê de escultura inicia-se no mês de dezembro e  começa com Fifa Pita, bem como o de fotografia com Luís Sérgio Gonçalves. 

Os alunos têm entre 45 e 60 anos . O resto das tertúlias poderão decorrer na Biblioteca ou noutros auditórios de Viana do Castelo e de outros concelhos do distrito, dada a parceria com a CIM Alto Minho.

Jorge Viana revela, ainda, outro projeto que estão a tentar desenvolver com o IPVC, envolvendo o voluntariado  com jovens alunos para promover a literacia junto das pessoas, de modo a que “possam ate fazer a quarta classe”, desenvolver a capacidade de leitura e fazer as contas básicas. 

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