“Não estamos impedidos de celebrar a Páscoa”

Viana do Castelo também celebra, este ano, a Semana Santa e a Páscoa de modo diferente, devido à pandemia que se vive. D. Anacleto Oliveira é, desde 2010, o Bispo de Viana do Castelo. Em conversa com A AURORA DO LIMA falou da situação que se vive, como os católicos podem celebrar este período e, até, do seu dia a dia, na Residência Episcopal.

 

PRIVAÇÃO PARA NOS DARMOS UNS AOS OUTROS

 

A Aurora do Lima (AAL): Iniciamos agora uma Semana Santa e Páscoa totalmente diferente das anteriores, em isolamento social e impedidos de viver, como habitualmente, a Páscoa, quer do ponto de vista espiritual, quer do ponto de vista de reunião familiar e da comunidade. Que mensagem quer deixar à comunidade do Alto Minho, nomeadamente aos católicos, face a uma situação que os impede de viver, devidamente, este período pascal?

Anacleto Oliveira (AO): Não estamos impedidos de celebrar a Páscoa. Esta vai muito para além das celebrações litúrgicas. É, antes de mais, a celebração do mistério da celebração da vida para a termos, aqui, em plenitude. Diria que incluímos o mistério pascal no mistério de Jesus Cristo. Ele renunciou à sua própria vida para levar uma vida nova muito melhor  e muito mais bela. Muito mais vital. De facto, neste momento, não podemos efetuar as celebrações. Mas podemos aproveitar a não realização destas para vivermos a Páscoa. A celebração da vida cabe também a todos nós, os cristãos. Vamos tentar aproveitar essa privação para nos darmos ainda mais aos outros. Particularmente aqueles que estão mais carenciados ou, então, mais perto de nós. Refiro-me, sobretudo, aos familiares que, graças a Deus, não estão impedidos de conviver uns com os outros. Marido, esposa, filhos, avós e netos, de facto, aproveitem esta privação para se unirem muito mais; isto é, renunciem à sua própria vida, ao seu egoísmo e bem-estar. Dediquem-se muito mais aos outros através de uma palavra, de um gesto, de uma “presença”. Então, sim, estaremos a celebrar outra verdadeira Páscoa que é essencial. Portanto, vamos aproveitar a “privação” da vida que a pandemia nos obriga a realizar para celebrarmos uma Páscoa ainda mais viva e autêntica.

 

AAL: Esta é a altura do ano em que se fazem mais confissões. Os mandamentos dizem mesmo aos católicos para se confessarem, ao menos, pela Páscoa. Como o podem fazem todos os que o pretendem fazer agora (ou noutra ocasião durante esta crise pandémica)?

AO: Havendo um caso urgente, como um doente que esteja em estado muito grave, se pedir a presença de um sacerdote (mesmo estando o doente infetado), este deve fazer a confissão. Aliás, o Papa recomendou aos sacerdotes para não deixarem de ter uma presença se não física, ao menos espiritual, junto dos doentes. Evidente que, no caso de doença contagiosa, o sacerdote deve precaver-se de todos os meios para evitar o contágio. Claro que tivemos um início da Quaresma em que ainda pudemos realizar o sacramento da Reconciliação. Eu próprio, durante três semanas, ainda estive na Sé a atender em confissão. Depois aconteceu o que aconteceu. O que a Igreja nos diz é que, no caso da pessoa, na sua consciência, sentir que está em pecado grave pode, pessoalmente, fazer um ato de contrição, de arrependimento, quanto possível, a Deus, de Perdão, e prometer que, na primeira ocasião, vai-se confessar pessoalmente com um sacerdote. É o que está determinado pela Igreja. O perdão a Deus não está confinado ao sacramento apenas. Em Deus não há limites. O que vier a completar no futuro, com a confissão individual, já se realiza agora com este pedido sincero ao Senhor de perdão dos pecados.

 

AAL: Relativamente à missa, alguns párocos optaram por transmiti-las pelo Facebook. Mas muitos fiéis não têm redes sociais, sobretudo, mas não só, os que vivem em aldeias mais isoladas. E com idade avançada. Alternativas que têm para participar na mesma?

AO: Desde já, agradeço que tenha dito a palavra “participar”. À missa não se assiste apenas. Não chega. A participação só é completa quando é presencial. Mas, atenção, há participações presenciais que não são autênticas participações. As pessoas estão lá com sentimentos opostos aquilo que se está a celebrar. Não estão a participar. A participação é ser parte, estar lá. É sentir aquilo seu. Fazer parte do que se está a celebrar. De facto, neste momento, temos meios que aqui há meia dúzia de anos eram impossíveis e agora, felizmente, diria, a mesma globalização que nos trouxe a pandemia, também nos traz outros meios para nos sentirmos unidos em comunhão com os outros. Temos a Internet que é usada em paróquias da Diocese, temos a rádio em algumas celebrações, nomeadamente ao domingo (às 11h, a Renascença transmite a Eucaristia; nesta altura até há uma transmissão diária). É evidente que as pessoas não precisam de estar lá, basta ouvirem – até que o mais importante na celebração Eucarística é o ouvir, sentir. A pessoa pode estar longe, mas pode rezar juntamente com as pessoas que estão a rezar do outro lado, pode cantar com elas; pode também, de facto, participar na Eucaristia. Não tem a participação plena que nos priva do que é importante em cada Eucaristia que é receber a comunhão. Há, naturalmente, rádios locais que, penso, transmitirão missa dominical. É melhor ouvir só do que estar ali a observar pormenores que são secundários na celebração.

 

CASAMENTOS E BATIZADOS SUSPENSOS

 

AAL: Além das missas e confissões, outros atos religiosos, como casamentos e batizados estão suspensos? Ou há outra forma de se realizarem?

AO: Naturalmente estão suspensos. Não há uma urgência. Aliás, há noivos que quiseram mesmo cancelar. Não por causa da celebração em si, mais por causa do banquete que tantas vezes se junta à celebração. Ora, num caso urgente, é possível. Um casamento para ser completo só precisa dos noivos e de duas testemunhas. Para além do sacerdote que, aliás, também é testemunha. No caso de alguém querer realizar o essencial, o mais importante, o mais rico do casamento, pode continuar a fazê-lo. Agora, evidentemente, a maior parte quer juntar amigos, quer juntar pessoas e isso agora não é possível. A mesma coisa se refere em relação a batizados ou outros sacramentos. É para respeitar as medidas que nos são impostas. Nos funerais, as cerimónias limitam-se ao máximo de 10 pessoas.

 

IGREJA FAZ O QUE PODE E NÃO PODE

 

AAL: O Alto Minho sofre de muitas carências, designadamente a nível económico e social. Que pode a Igreja fazer para as minimizar, isto numa altura em que se deverão agravar? Que ações e colaborações tem desenvolvido a Diocese no âmbito desta crise sanitária?

AO: A Igreja está a tentar fazer o que pode e o que não pode. Tentamos aproveitar todos os meios, nomeadamente os financeiros, para podermos estar juntos dos mais pobres. No que pode porque também não é rica. Mas quando temos pouco, partilhamos com mais boa vontade no pouco que temos, sentimos essa necessidade de nos colocarmos na pele do outro que não tem. Estamos, portanto, atentos. Nomeadamente, a Cáritas e da Conferência de S. Vicente de Paulo estão atentas a casos, sobretudo, de carências materiais. Para que a alimentação, os medicamentos e outras necessidades do género não faltem às pessoas. Mais não podemos fazer neste momento.

 

DIA A DIA NA RESIDÊNCIA EPISCOPAL

 

AAL: Face às contingências que se vivem, como é que está a ser o quotidiano de D. Anacleto circunscrito aí à sua residência em Darque?

AO: Muito sereno, muito calmo e muito cheio. Eu – não devia dizer isto – estou impedido de muitas presenças fora da Casa Episcopal porque aqui tenho imensas coisas para fazer. E que não queria deixar de as fazer por falta de tempo. Estamos aqui a viver três pessoas em casa. Encontramo-nos diariamente para as refeições e a celebração da Eucaristia, juntamente com a recitação da hora do dia (que pode ser de manhã ou à tarde). Isto é, digamos, a nossa vida comunitária. Naturalmente que, cada um, passa o tempo consigo próprio. Uma das pessoas que tem, digamos, o governo da casa tem de cuidar daquilo que é essencial para que a casa funcione e para servir de intermediário entre mim e outras pessoas da Diocese. Também me ocupo, naturalmente, em estar atento e presente, tanto quanto possível, junto das situações mais difíceis do que se está a passar na Diocese. Nomeadamente em centros sociais, ter uma palavra de conforto e de ajuda para com os responsáveis que, na maioria dos casos, são sacerdotes. Procuro estar atento ao que se passa na Diocese e enviando periodicamente mensagens, algumas dirigidas a toda a Diocese ou outros grupos específicos de pessoas que estão na Diocese e que, neste momento, precisam mais da comunhão que nos une. Pessoalmente… pessoalmente… Além de ser bispo de Viana, faço parte da Conferência Episcopal Portuguesa, de que sou membro. Aí assumi a responsabilidade de orientar uma nova tradução da Bíblia. Não apenas; também colaborar ativamente. Tenho imensas coisas para fazer, para corrigir, de tal modo que passo o dia cheio.

 

AAL: Quando estará pronta?

AO: Não sabemos ainda quando estará pronta, demorará anos. Pretende ser uma tradução muito séria, aprofundada e cuidada. Exige muito tempo de esforço, nomeadamente da minha parte. Com muito gosto, pois também sou formado na Sagrada Escritura. Outra das coisas que temos o privilégio de aqui ter é uma quinta enorme. Então, os três da casa estão, quase diariamente, a cuidar dela, da nossa horta (hortaliça, couves, beringelas, etc). Ela já era cultivada antes, mas as pessoas que a cultivavam estão impedidas de realizar esse trabalho e, então, nós próprios, assumimos isso. Sou de uma família de agricultores, está-me no sangue este “desporto de enxada”. De resto, não saímos da quinta que, aliás, é confinada.

 

Manuel Sotomaior

 

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