“Porto de Viana tem especificidades muito próprias”

Nuno Araújo, 43 anos de idade, antigo chefe de gabinete de Pedro Nuno Santos, então secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares e atual presidente da Administração dos Portos do Douro e Leixões e Viana do Castelo (APDL), foi, na última semana, alvo de buscas por parte do Ministério Público e da Polícia Judiciária. Suspeitas de corrupção e tráfico de influências motivaram as buscas, segundo referiu a SIC Notícias. O chefe de gabinete usaria, supostamente, a posição de influência que detinha para conseguir benefícios financeiros na facilitação da aquisição de serviços por ajuste direto.
Fonte do gabinete de Pedro Nuno Santos referiu, em comunicado, que “o ministro das Infraestruturas e da Habitação é totalmente alheio à alegada prática dos atos referidos nas notícias”. E acrescenta: “Aguardaremos o desenrolar do processo judicial”.
Uma dezena de buscas decorreram m “na sede de uma sociedade comercial, em Departamentos de Contratação Pública de diversos municípios, numa empresa pública de gestão de águas e em habitações nas zonas de Penafiel e Guimarães”.
A entrevista de A AURORA DO LIMA ao presidente da APDL no mandato 2020-2022, ocorreu no porto de Viana do Castelo, poucos dias antes daquelas acusações serem conhecidas.

Logo no início da conversa, Nuno Araújo acentuou que o “porto de mar de Viana do Castelo tem uma especificidade muito própria e características que outros portos nacionais não têm. Isso tem levado a que a administração da APDL tenha decidido fazer um conjunto de investimentos – também por orientação governamental – para puxar por essas especificidades. Por alguma delas terem a ver com os estaleiros navais de Viana do Castelo, que tem uma importância muito grande, do ponto de vista económico, nesta região, que permitiu não só manter esta atividade na nossa infraestrutura portuária, como também manter estas competências de capital humano que era muito especifico para este tipo de atividade. Associado a puxar pelos estaleiros, fizemos uma operação de dragagem que está a terminar e irá permitir receber navios de maior calado.”
Associado a este investimento público por parte da APDL, “está um privado que é a construção de uma nova doca seca por parte da West Sea. Ou seja, investiu-se aqui 18 milhões de euros nesta dragagem e, associado, está um investimento privado de cerca de 15 milhões de euros na construção da doca que irá permitir receber navios de maior dimensão que hoje não podem atracar aqui, seja para reparações, seja para fazer retrofitting. Isso requereu um forte investimento da nossa parte. Paralelamente, fizemos este investimento com o Município de Viana do Castelo, nos acessos rodoviários ao porto. Que permite encurtar a distância a um dos principais acessos rodoviários a esta região (A28), sem que o trânsito circule por zonas mais urbanas e possa ter esta via dedicada”.
Nuno Araújo considera que os acessos rodoviários permitirão também ligar as zonas industriais que existem e permitir fixar outras no futuro e, com isso, possam utilizar esta infraestrutura portuária.
“Temos ainda outra característica associada a este porto que tem a ver com a questão as energias verdes. Como é sabido, neste local está associado um projeto que é a Windfloat – que tem uma particular importância para o país e a sua base de operações está sedeada no porto de Viana do Castelo.”
Associado a este porto há, pois, um cluster destas energias verdes, essenciais quando se fala em transição energética, em descarbonizar. “Fala-se em reduzir em 50% até 2030 e alcançar até 2050 a neutralidade carbónica. São as metas do país e muitas delas até podem ser antecipadas, face aquilo que são os compromissos europeus. O porto de Viana do Castelo está na primeira linha porque tem permitido acolher aqui um sem número de indústrias que trazem competências, know how, inovação, tecnologia, investigação; portanto, tem-nos permitido colocá-lo, no mapa do país, como centro nevrálgico, um cluster para a produção de energia verde que vai ser essencial para alimentar o famigerado hidrogénio que só pode ser verde se tivermos energia verde para alimentar os processos de eletrólise.”

Relativamente ao porto, olhando para a última década, o movimento tem estado a definhar?
É verdade. Temos algumas expetativas com os operadores que estão cá. Os portos servem indústrias, as empresas que estão situadas na região. Não há nenhuma limitação da nossa parte em servir a indústria. Depende da que aqui está, do tipo de logística que essas empresas escolhem fazer, da infraestrutura portuária.
Competimos com um número vasto de outras opções logísticas, ou seja, o camião, o avião, e, depois, há a componente marítima. Em função disso, as empresas vão escolhendo as melhores soluções, as mais baratas. Mediante a indústria que tem predominado nesta região, temos movimentado papel, madeira, ferro e aço, nomeadamente nas questões da sucata, e pasta de papel. São alguns produtos que, ainda em pequenas quantidades, temos vindo a movimentar. Há ainda os granéis sólidos, como o caulino, as cinzas volantes, os adubos, que têm vindo a ser movimentados aqui.
A especificidade do porto é naquilo em que consegue ser competitivo e em função, também, das empresas que se situam nesta região.
A nossa expetativa é que isto possa vir a aumentar. Mas a importância do porto não se mede só pela carga que movimenta. Na especificidade, há que comparar com o porto de Leixões, por exemplo, que não tem estaleiros navais. Os de aqui, em si, empregam diretamente mais gente que toda a infraestrutura portuária de Leixões.

Integração de Viana do Castelo na APDL não subalterniza o porto desta cidade?
Dependência há. De investimento. Pode recuar uma década. Em que o porto de Viana era autónomo. Você vai-me dizer onde em que podia investir aquilo que foi feito agora – sete milhões nos acessos rodoviários, 18 milhões numa dragagem e mais dois milhões a reparar o quebra-mar. 30 milhões no total. Não podia. Ou podia, mas amortizava quando? Ou seja, de facto estas duas infraestruturas – nesta caso, são três, pois a APDL também tem o Douro – convivem em conjunto. Para nós, é o mesmo complexo portuário, Viana do Castelo, é um terminal mais a norte. Não olhamos para isto de forma isolada. As coisas complementam-se, têm sinergia nas insfraestruturas portuárias e cumprem a sua função. Quem estiver mais acima, há-de ver o país dessa forma, também.
Ou seja, olhar para a infraestrutura portuária e perceber de que forma pode responder às necessidades da região. Quem determina se o porto é ou não usado… acha que é autoridade portuária? Não. Mas a APDL tem investido no porto de Viana do Castelo? Tem. Mas, então, porque as empresas não utilizam o porto de Viana do Castelo? Isso é outra questão que podia ser colocada. Tem a ver com a especificidade do porto, com o que existe, com o facto de haver outros portos limítrofes que têm a ver com essa especificidade. Mas não é só o de Leixões e os portos em Espanha que são utilizados por empresas aqui da região. Há empresas aqui da região que usam o porto de Sines ou de Lisboa. Ou seja, isto não é estanque. Normalmente, quando uma empresa quer escoar ou importar determinado produto pede a um agente ou despachante: ‘olhe, tenho produto aqui na minha instalação em Viana do Castelo e/ou zonas industriais limítrofes, quero-a no ponto A, B ou C’. Em função disso, o despachante ou empresa que intermedeia isso escolhe qual é a melhor infraestrutura portuária ou a mais barata que está em condições de responder, ou, se o tempo for uma questão essencial, de forma mais rápida. Aí o porto de Viana do Castelo tem a sua especificidade e consegue responder em determinado tipo de segmentos de mercado. Noutros, o porto de Leixões está melhor, noutros o de Sines, Lisboa ou Figueira da Foz.
Há muitas questões que contribuem para a competitividade de um porto. Autoridade Portuária, as empresas da região (que também têm de trazer massa crítica), os operadores, os armadores (é preciso que as empresas queiram escalar nos portos e, para isso, os próprios armadores olham para o porto).
Tínhamos ro-ro em Leixões e uma escala que ia para Dublin. Uma série de cargas que ia daqui da região e que entrava no porto de Leixões. E deixou de entrar. O armador, a determinada altura, disse que esta escala de Leixões a Dublin não é rentável e ia parar. Deixei de ter a carga… que existe, mas que está a ir por outro local qualquer. Há sempre este debate entre a capacidade das infraestruturas portuárias. O porto da Corunha, por exemplo, é muito maior que o porto de Leixões. Trata de cargas que movimentamos também aqui em Viana. É muito maior que o de Leixões, recebe navios até 22/24 metros de calado, é um porto de águas profundas, tem grande capacidade… mas acha que movimenta mais carga que nós? Não. Porque quem faz a carga são as empresas, as indústrias, o setor empresarial é que determina por onde a carga vai. O que quero dizer, com isto, é que se podia até ter aqui um porto de águas profundas, mas isso não significa que passe a movimentar mais carga. Há uma conjugação de dois fatores: muitos navios querem entrar em Leixões e eu digo que não. Não tenho capacidade para os receber. Aqui em Viana não acontece isso. Todas as infraestruturas têm as suas limitações.

O porto de Viana é de muito menor dimensão!…
Depende do uso. Se eu tiver muitas empresas a pedir para escalar aqui em Viana, obviamente que o Estado tem por obrigação adaptar-se aos pedidos. Não podemos é estar num país que não é rico, numa entidade portuária que não é rica, a pedir mundos e fundos.
O país olha para o território e nós temos uma infraestrutura portuária capaz de responder às necessidades da indústria portuguesa. Quando desenhamos a estratégia de competitividade para ela, vê-se qual eram os investimentos a ser desenvolvidos, nomeadamente, os acessos rodoviários.
Em Viana do Castelo, as dragagens para os estaleiros navais (característica única associada a este porto) e os acessos rodoviários vão beneficiar a indústria e muitos investimentos na região de forma indireta.

Também se diz que esses acessos mais parecem um labirinto?
É-se preso por ter gato e por não ter – há uma série de ditados populares associados a isto! São uma vantagem competitiva para a região. Ninguém tenha dúvidas. E, se depois falam de inclinação, se devia ter duas faixas de rodagem, ou devia ter uma, são discussões que nada beneficiam. Quando estamos empenhados e queremos puxar por uma região, ninguém pode dizer que construímos uma infraestrutura daquelas e que a região perdeu. Ganhou e muito.

E o quebra-mar?
É preciso 20 milhões de euros para reparar o quebra-mar do porto de Viana do Castelo. É dinheiro que a autoridade portuária vai ter que encontrar. O porto movimenta meio milhão de toneladas nos últimos anos. Você acha que isso paga este tipo de investimentos? Não. É o cluster de energias renováveis, é a construção naval, é a carga, é a conjugação e a importância social e económica que este porto tem. Nem tudo tem que dar lucro e resultados espetaculares.

O Município vianense deu recente conta de que pretende, aqui em Viana, um porto seco. Que acha?
Um porto seco é um terminal rodo-ferroviário. Não é mais do que isso. Havendo massa critica, acho muito bem.

E Viana tem massa critica?
Acho que sim. O país está a apostar na ferrovia. Nós percebemos isso também na autoridade portuária. Diria que estamos a ser pioneiros na forma como estamos a encarar o setor ferroviário. Ao contrário do que acontecia no passado, em que a ferrovia ia sendo vista com alguma desconfiança por parte das autoridades portuárias, pelo menos, no respeita à APDL, não é assim.
Olhamos para a ferrovia como uma vantagem competitiva, para puxar pela mercadoria, para oferecer soluções logísticas diferentes, descarbonizar e fazer a transição energética dos nossos complexos portuários. A APDL definiu a neutralidade carbónica em 2035, antecipando 15 anos aquilo que é meta estabelecida pela comunidade europeia. Isso é um desafio muito importante que vai acarretar investimentos da nossa parte. Viana do Castelo. Este é dos municípios que, nos última década, mais empresas tem fixado. Recentemente houve uma reunião do Conselho Estratégico e Empresarial de Viana do Castelo e isso ficou claramente evidenciado. Esteve o ministro da Economia que, inclusive, elogiou a última década do município, contrariando, porventura, até aquilo que era a dinâmica noutras regiões do país. Aqui cresceu-se mais, fixaram-se mais empresas, mais pessoal qualificado, ou seja, não há nenhum problema de infraestruturas. As que hoje existem são bem capazes de responder às necessidades.

Mas o atual porto responde às necessidades?
Neste momento, o complexo portuário gerido pela APDL responde, e bem, às necessidades desta região. Se assim não fosse, as empresas não se fixavam aqui. Iam procurar a outro local. Vocês têm empresas alemãs, espanholas, francesas a instalarem-se nesta região.
Em última instância, há uma coisa. Há muito transporte de mercadorias pelo setor aeroportuário. E você vai pedir um aeroporto para Viana? Não. Há um na Maia que responde a toda esta região. Diria que, na região, temos infraestruturas adequadas às necessidades.

Mas existe alguma estratégia para conseguir aumentar aqui o movimento?
Ainda este mês estávamos numa reunião da comunidade portuária; esta tem estado ativamente a fazer muitas reuniões, inclusive com as indústrias da região. Do ponto de vista comercial, atuamos, vamos atrás dos clientes, mostrando que a APDL tem capacidade para responder. E o porto de Viana do Castelo. Por exemplo, recentemente falou-se da questão do ferry, uma ligação entre Inglaterra e o norte do país. A uma empresa que queria trazer um ferry com pessoas, mercadorias e automóveis (diferente do serviço ro-ro que temos em Leixões, é só para carga) dissemos que o porto de Viana do Castelo tem capacidade de responder e nós conseguimos. Eles ficaram agradados. Agora é assim.
O porto de Viana do Castelo continua a ter futuro. Que está garantido. Estrategicamente, há uma rede core europeia. Estão identificados pela Europa quais são os portos principais para garantir as conetividades. Como as rodovias e os aeroportos principais. E depois há os secundários e os terciários. O porto de Leixões faz parte desta rede. O que estamos a trabalhar com a comunidade europeia, neste momento, é perceber se conseguimos incorporar o porto de Viana do Castelo como um terminal. Ou seja, este complexo portuário passaria a ter um terminal a sul (Leixões) e outro a norte (Viana do Castelo).
‘Vendemos’ estas infraestruturas em conjunto. Para que o porto de Viana passe a fazer parte da rede core. Em que isso pode traduzir de bom para nós e região? Fundos comunitários… e, como há pouco disse, só para o quebra-mar, a APDL tem de arranjar 20 milhões de euros.”

Acredita que a médio prazo isso será possível?
O nosso lobi está a ser feito. O trabalho de estar a influenciar essas decisões. Acho que é possível. Quando temos uma autoridade portuária empenhada – e já dei evidências pelos últimos investimentos -, bem como os nossos operadores e o poder local. Aqui, em Viana do Castelo, todos trabalham para o mesmo lado. E, quando assim é, o futuro será sempre positivo. De outra forma, não era possível ter investimentos como tivemos nos últimos anos aqui em Viana do Castelo.
Os acessos rodoviários são um exemplo disso. É uma vontade do Governo, da APDL e do Município. Se não tivéssemos todos a pensar da mesma forma e a valorizar esse território, aquele investimento não aconteceria. Agora percebo essa ansiedade… Esses já estão feitos, vamos pensar nos próximos. Também penso assim. Vamos pensar onde podemos investir mais para puxar ainda mais por estas infraestruturas.

Quais as medidas que poderiam travar o atual decréscimo de movimento?
O ano de 2020 não é exemplo. Mas posso dizer que as projeções dos nossos operadores para o porto de Viana do Castelo são de crescimento. Eles é que estão no mercado, têm uma noção.
Estamos em 2021, já se está a pensar em 2022 e que navios vão escalar aqui. Isto é programado com alguma antecedência.
No ano de 2020 houve um decréscimo em todos os portos. Mas havia um caminho de crescimento e consolidação e os nossos operadores indiciavam isso. Mas um porto que, ainda por cima, comercializa agro-alimentares, por exemplo, acaba por sofrer um bocadinho com isso.
Mas pode levantar, só um bocadinho, do véu?
Acabei de lhe dizer algumas coisas que não são necessariamente públicas. Estamos a tentar olhar em função das características do porto, onde é que há navios que possam escalar aqui, que olhem para o porto de Viana do Castelo como um foco potencial para as suas escalas e nós temos vindo a intensificar esta força comercial em função das características do próprio porto.
Acho que, a curto prazo, podemos equacionar ter aqui um serviço desse género espécie de um ferry ou ro-ro, que possa acrescentar mais algum valor, pois será mais uma valência aqui em Viana do Castelo.
Isto para dizer que o ferry de que falei, que fazia essa ligação, já devia ter começado e, entretanto, adiaram para estudar bem a situação. Prevê-se que este ano ainda possa vir a acontecer.

Pode-se dizer que Viana, é mais que uma cidade bonita e conta o porto mar para isso?
Diria que sim. Estamos muito focados no porto de mar, mas a APDL gere muito mais que isso. Há a questão dos estaleiros navais, mesmo as próprias pescas, áreas concessionadas, as marinas, a doca engº Duarte Pacheco, há muita massa critica, há turismo a acontecer associado a licenças da APDL nesta orla marítima.
Diria que a região contará com a APDL e o porto de Viana do Castelo no seu melhor para responder a todas as necessidades.

Como está a situação com a doca engº Duarte Pacheco e os estaleiros para ali previstos?
Estão concessionados, a empresa que ganhou a concessão está a fazer um investimento para por a doca a funcionar, está a modernizar, tinha alguns equipamentos mais obsoletos. Há dias visitei-a e está no bom caminho, está-se a modernizar a parte elétrica, a porta que permite a estanquicidade da doca foi modernizada, é nova, as instalações a serem todas modernizadas, pintadas; acho que, a curto prazo, estará novamente a funcionar.
Tudo que é setor marítimo e obras neste setor não acontecem de um mês para o outro. São obras muito caras, de difícil execução. Percebo esta ansiedade.

E a Marina?
No âmbito da descentralização de competências, há um trabalho a fazer pelos municípios. É uma comissão, um trabalho que tem de ser criado. É uma comissão designada pelo Governo, que representa um conjunto de partes interessadas e em que está prevista esta descentralização. Na prática, no futuro, esse tipo de equipamentos é para ser gerido pelo próprio município. Que o poderá concessionar.

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