“Precisávamos do tecido empresarial mais atento ao GAF”

Em conversa com o AAL, os responsáveis do Gabinete de Apoio à Família (GAF) deram conta da vontade em concretizar a construção de uma estrutura residencial para idosas vítimas de violência doméstica e de uma nova Casa Abrigo. 

João Ferreira, que assume o lugar de vice-diretor desde a fundação; Regina Bezerra, tesoureira e Leandra Rodrigues, coordenadora técnica, apelaram à sociedade civil vianense para se aproximar da Instituição. “Gostaríamos que a comunidade participasse mais ativamente”, diziam aqueles responsáveis, nomeadamente através de voluntariado.

Com 28 anos, o GAF já atendeu mais de 180 mil pessoas nas várias valências de que dispõe. Orientada para os casos de violência doméstica e dependência, a Instituição conta com mais de 60 colaboradores e um orçamento anual superior a milhão e meio de euros. 

Há quanto tempo existe o Gabinete de Apoio à Família em Viana?

O GAF surgiu em 1994, no âmbito do Ano Internacional da Família e através da Ordem Carmelita de Viana do Castelo. O que se pretendeu foi operacionalizar muitas das coisas que se discutiam naquele âmbito. O GAF surgiu, inicialmente, com algumas respostas, mas à medida que passaram os 28 anos, foi evoluindo. Foi criado numa perspectiva diferenciadora às demais instituições. Sem termos qualquer corpo técnico fomos desenvolvendo parcerias com as instituições da cidade para dar resposta à nossa missão. Hoje já temos uma estrutura própria, de cerca de 60 assalariados. 

As áreas de intervenção foram sendo alteradas?

Nós intervimos na área social e fomos adaptando. No início, estávamos vocacionados para a problemática da família, mas numa perspectiva não só espiritual, mas também na área do conflito familiar. Contudo, pouco depois evoluimos para outra área, que surgiu como necessidade, a toxicodependência. E aí fizemos o primeiro investimento para dar resposta. Tivemos de constituir o corpo técnico.

Quais são as atuais áreas de intervenção do GAF?

A nossa missão manteve-se e a área da exclusão social mantém-se como sendo a problemática agregadora de todo o trabalho que vamos desenvolvendo. Temos já serviços mais diversificados. No âmbito das dependências temos uma Equipa de Rua, com uma unidade móvel e ainda uma unidade de apoio à toxicodependência. E na área da saúde e do comportamento desviante, uma unidade móvel com as questões do HIV.

Outra área que surgiu logo foi a violência doméstica. Atualmente será a área onde temos maior número de respostas. Começamos pelo atendimento e rapidamente passamos para o acolhimento de mulheres vítimas de violência doméstica. Em 2000, abrimos a primeira Casa Abrigo. Na altura, não havia nenhuma estrutura exclusiva para mulheres vítimas de violência doméstica. Hoje temos uma Casa Abrigo; uma estrutura de atendimento a mulheres vítimas de violência doméstica e associado ao núcleo três projetos: um na área da prevenção (Coruja); outro projeto de intervenção (Farol) e ainda o projeto de respostas de apoio psicológico (RAP). 

Em plena pandemia foi-nos lançado o desafio de abrir um centro de acolhimento de emergência, porque o número de camas disponíveis reduziu. Abrimos o CAE (Centro de Acolhimento de Emergência) que mantivemos. Nesta área, temos duas estruturas de acolhimento, o CAE com 40 vagas e a Casa Abrigo, com 15 vagas, o núcleo de apoio a vítimas e três projetos.

Quais as outras áreas de intervenção?

Atuamos numa área de resposta à comunidade. Aí temos uma estrutura de acolhimento para as pessoas sem abrigo. Aqui só homens e mulheres, adultos. E ainda o Rendimento Social de Inserção. Por último, temos o Centro de Aconselhamento Parental, que é um serviço que trabalha com famílias que tenham crianças em situação de risco ou de perigo. É um serviço que trabalha por encaminhamento de outras estruturas. Temos mais dois projetos na área de intervenção na comunidade ligados ao emprego. Paralelo a isto tudo, temos o serviço de apoio comunitário. Este não tem financiamento, mas é um serviço de apoio a todos os outros projetos e aos parceiros. Faz essencialmente apoio social, jurídico e psicológico.  

No total, quantas pessoas apoiam?

No ano passado, fizemos mais de 19 mil atendimentos. E em atendimento e acompanhamento individual apoiamos 1032 mulheres e 600 homens. Este número tem vindo anulamente a aumentar. Desde a nossa criação já fizemos mais de mil grupos de intervenção. Mais de 181 mil atendimentos individuais…

Com a pandemia de Covid-19 notaram alguma alteração?

Nós sentimos os números a crescer desde sempre. Com a pandemia, abrimos o CAE e na área da violência doméstica percebeu-se essa necessidade. Em termos de distribuição alimentar, o programa do PO APMC (Programa Operacional de Apoio às Pessoas Mais Carenciadas) logo no início da pandemia duplicou  o número de destinatários a nível nacional. Nós que distribuíamos a 140 pessoas e passamos a distribuir a 280 e o próprio programa começou a dar resposta, mas rapidamente tivemos as 280 pessoas para apoiar.  Estamos numa altura em que já conseguimos agir pro-ativamente. 

Quais as principais dificuldades em implementar a vossa ação?

São imensas, mas sobretudo as questões financeiras. Sentimos que a comunidade vianense devia estar mais alerta para a nossa missão. Até temos tido a ajuda em termos de eletrodomésticos, alimentar, serviços, mas precisávamos que o tecido empresarial estivesse mais atento ao GAF. 

Sente que a comunidade não está sensível às vossas preocupações.

Sensível está, mas gostaríamos que participassem mais ativamente. Nós também não tornámos muito visível o que fazemos. 

Falaram há pouco da importância das parcerias. Em que medida isso se verifica?

Nós temos um grande trabalho de parceria com outras instituições de Viana. E há muito trabalho que se faz e que não é visível. A nossa prática é norteada por diversos valores, um deles a transparência. Qualquer pessoa pode consultar as nossas publicações e acompanhar o nosso trabalho. São também estes nossos valores que nos obrigam a trabalhar com pouca visibilidade. Algumas áreas têm de ser trabalhadas em sigílio absoluto.

Recentemente foi aprovado, em reunião de Câmara, um apoio para a criação de um espaço para as idosas vítimas de violência doméstica. Como está esta situação?

Nós temos duas situações. Nós criámos a primeira Casa Abrigo para vítimas de violência doméstica do país. Foi aqui em Viana que foram desenvolvidos os primeiros diplomas legais na matéria. Mas esta já não dá resposta e por isso é necessário criar outra. Depois, há o desafio nacional de criar uma Casa Abrigo sénior.

E quais as previsões para entrar em funcionamento?

Ainda não temos datas. Nós fazemos um esforço grande para cumprir com os salários até para fazer juz ao nosso nome e temos conseguido levar a bom porto esta tarefa. Mas não temos capacidade para fazer investimentos nesta ordem de grandeza. Estamos a negociar com a tutela. Já lançamos a concurso público o projeto, que envolve vários ministérios e entidades, mas o valor apresentado triplicou o valor de base. Não foi possível avançar, porque não tínhamos financiamento para isso. Neste momento, estamos a ver com o Governo, Câmara e CIM a forma de ultrapassar este constrangimentos.

Mas são dois projetos diferentes?

Sim, o que está mais avançado é o da ERPI – Casa Abrigo sénior. O outro ainda não temos fonte de financiamento. 

São também para esses projetos que precisam de apoio da comunidade. Como é que as pessoas podem ajudar?

Nós não queremos dinheiro. O ideal era que estas instituições não lidassem com dinheiro. Se tivessemos um mecenas que nos pagasse a água e a luz era o ideal. O que apelamos é a um conjunto de mecenas que nos ajudem. Nós temos mais de 60 assalariados, 65% são técnicos superiores. Nós esgotamos todas as possibilidades de financiamentos através de projetos. O reconhecimento internacional advém de projetos onde somos inovadores. Temos também uma especificidade que é as áreas onde trabalhamos e as pessoas com quem trabalhamos. Nenhum dos utentes dos nossos serviços comparticipa nas despesas. Os nossos estatutos indicam que os nossos serviços são tendencialmente gratuitos. Nós não temos mensalidades, como na maior parte das IPSS. As fontes de financiamento são os projetos e acordos.

Como conseguem pagar os salários?

Os salários conseguem-se pagar com recurso à banca. Seja para pagar aos nossos colaboradores, mas também aos fornecedores. O nosso orçamento é de cerca de um milhão e meio de euros. Estamos a falar de cerca de 53 mil euros mensais só em salários. Temos três estruturas de acolhimento, o que implica que temos 67 pessoas a cargo. No global, implica um orçamento mensal na ordem dos 100 mil euros. 

A comuninidade também nos poderia ajudar prestando, voluntariamente, alguns serviços, como sejam na área da pichelaria, carpintaria, etc. 

Na pandemia viram-se agravadas as questões da saúde mental. Também tiveram reflexos desta situação?

Viu-se uma degradação, de forma acelerada, da saúde mental das pessoas e o surgimento de doença mental e doença mental grave. É transversal a todos as respostas, mas na Casa Abrigo e no Centro de Acolhimento de Emergência têm surgido muitas situações de doença mental grave. 

Quais são os vossos projetos a curto prazo?

Nós pretendemos implementar a ERPI, a nova Casa Abrigo, mas também melhorar as nossas instalações. Temos um edifício contíguo a este, que também é nosso e precisaria de uma grande intervenção. Se conseguissemos fazer essa intervenção aumentaríamos a qualidade do espaço existente. No âmbito daquilo que desenvolvemos não pretendemos alargar as respostas sociais. Queremos consolidar, em termos de qualidade, aquilo que fazemos. 

Quer falar das Oficinas GAF e do Wash Gaf?

Estes são os nossos serviços socialmente solidários. O Wash Gaf é um serviço de lavagem manual de automóveis e que funciona nas nossas instalações, mas é uma empresa de inserção. Os funcionários da empresa são pessoas que estão em alguma situação de desfavorecimento face ao mercado de trabalho. 

Paralelamente, existem as Oficinas, que são ateliês ocupacionais, que estão diretamente ligadas à Comunidade de Inserção. Começou por ser um ateliê de ocupação, mas entretanto foi ganhando alguma identidade. Neste momento trabalhamos em exclusivo com papel. Produzimos papel reciclado e fazemos produtos em papel de vários tipos e com várias metodologias. Fazemos os cabeçudos em várias vertentes. O nosso não é pintado e é feito em vários tamanhos. Neste momento, temos um conjunto de compradores, na área do design e decoração. Já vendemos para o Porto, Lisboa, Milão, Paris, entre outros. 

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