“Se tiver de abandonar alguma intervenção para socorrer vianenses, não hesitarei”

Aos 50 anos de  idade e autarca há 29 anos, Luís Nobre é, há pouco mais de cinco meses, o presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo. Uma instituição que conhece bem, já que, ali, é vereador desde maio de 2005.

Há quanto tempo começou a equacionar a hipótese de ser  presidente de Câmara?

Começou-se a consolidar, talvez, há dois anos. Havia algumas personalidades do concelho que iam lançando a ideia, mas nunca trabalhei com esse objetivo. Com o avançar do último mandato, com o engenheiro José Maria, começamos a conversar e, entre nós, criou-se essa ideia e, nesse sentido, trabalhamos para que assim acontecesse.

E da experiência como autarca, qual foi o maior desafio que enfrentou?

São estes últimos cinco meses. Todos os outros momentos foram também complexos, com desafios muito gratificantes, mas estes cinco meses é o período que vivemos, com a pandemia, o que acreditávamos que seria de aliviar um pouco com esta e tem acontecido com mais lentidão do que era esperado. Agora vem este novo enquadramento com o conflito no interior da Europa. Que nos está a prejudicar e a trazer alguma incerteza relativamente ao futuro.

Qual foi a primeira medida que tomou quando assumiu a liderança da autarquia de Viana?

Foi avançar com um conjunto de projetos, nomeadamente a  ativação do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) que é um grande desafio para nós. Duas grandes obras com financiamento garantido, mas que tem de passar por um processo de desenvolvimento de projeto. Primeiro tivemos de aprová-las e assinar o protocolo de colaboração e garantir o financiamento dessas duas intervenções. Tínhamos a expectativa do financiamento e a necessidade de iniciar um conjunto de formalidades, nomeadamente a contratação dos projetos para, dessa forma, podermos abrir os procedimentos concursais. São a quarta travessia sobre o Lima, a nova que  vai ligar Nogueira/Torre a Deocriste e a ligação entre as EN 202 e 203, para servir três áreas de atividades económicas significativas: zonas industriais de Cardielos, Nogueira e Deocriste (onde está a DS Smith). Esta via é estrutural, vai melhorar não só as condições de receção de matérias primas, mas também de escoamento de produtos das atividades económicas que estão nesses três espaços ou se venham a instalar. Também, melhorar as condições de segurança, nomeadamente na EN 203. 

A outra intervenção é o novo acesso ao Vale do Neiva. É também uma via estrutural, não só no que respeita à melhoria das condições de mobilidade para todo este espaço territorial, mas ainda para a ligação dos vários espaços industriais que existem no Neiva. Não podemos ignorar que, neste, está cerca de 2/3 da atividade industrial do concelho. Por essa razão, é também absolutamente estrutural esta via.

E a ponte pedonal na cidade?

Era um dos 48 compromissos que assumimos para este mandato, estabelecer a conetividade em toda a nossa ecovia do litoral e, também, para a rede de ciclovias que queremos consolidar. Para a concretização desse objetivo é fundamental termos uma ligação ciclável e pedonal entre as margens esquerda e direita do Lima. Foi um compromisso qdentro de três patamares. O primeiro foi um concurso internacional de ideias, que já formalizamos, para, dessa forma, tomar a decisão conjunta com a sociedade vianense. Serão criados momentos para que os vianenses possam também tomar posição sobre a proposta que vier a aparecer.

Escolhida a melhor solução, será avançado com o desenvolvimento do projeto e o 3.º momento é lançarmos o procedimento para a sua execução e garantir o financiamento. Este terá de ser através do Portugal 2030, programa comunitário para este ano. Acreditamos que, no início do segundo semestre, teremos condições de podermos apresentar a candidatura. Aí ainda não deveremos ter projeto. Devemos, nos próximos dois anos, iniciar a construção. É difícil apontar a duração da obra, mas teremos sempre, como referência, o acesso ao porto de mar que demorou 18 meses.

Das 48 medidas para o mandato, quais as outras, mais importantes, já tomadas?

As medidas são extensivas a todo o mandato. Entre as outras já iniciadas, destacaria, dentro da Cultura, a criação de um fundo de apoio aos embaixadores da cultura vianense, uma forma de reativarmos todo o setor cultural que passou por esta experiência e este confinamento durante a Covid. Concretizamos também com distinção o título de Cidade Europeia do Desporto. À da Cultura apresentamos candidatura, mas não passamos à 2.ª fase. Mas queria valorizar todo o trabalho que foi feito. Envolveu o executivo, serviços municipais, agentes culturais do concelho, individual e coletivamente, e a equipa externa que nos ajudou a preparar a candidatura.  Hoje é para nós uma certeza de que podemos aumentar o nosso programa cultural e artístico, na cidade e no concelho, aprofundar, cada vez mais, a cooperação entre entidades e agentes culturais, com o propósito de ter uma oferta mais articulada e inclusiva.

No que respeita aos investimentos programados, a alta da inflação e as consequências da guerra na Ucrânia podem dificultar a sua execução?

Não podíamos imaginar este período que estamos a viver. O que temos a fazer é interpretar cada dia e, tal como fizemos na pandemia, vamos ter também condições e competência para encontrar as melhores soluções. O apoio no trabalho a nível social é uma preocupação, estaremos naturalmente atentos, encontrando, também, soluções que mitiguem o que vão ser os desafios para os nossos agentes económicos. Mesmo para o Município, as questões deste conflito armado têm implicações significativas ao nível das energias, dos combustíveis e, naturalmente, tudo isto tem efeitos colaterais que vão ser impactantes em todos os setores. O Município não vai passar ao lado dessa situação. Nenhum vianense ficará para trás. Se houver necessidade de abandonarmos alguma intervenção material para socorrer os vianenses, não hesitarei. Deixo essa garantia de que, em todas as circunstâncias, nomeadamente ao nível dos consumos, dos combustíveis, da iluminação, pouparemos para, dessa forma, poder orientar e redirecionar o nosso esforço financeiro e a nossa capacidade para as áreas que vierem a ser necessárias.

Tivemos duas medidas já significativas, criar um fundo de apoio de 100 mil euros (numa primeira fase) para recebermos e integrarmos os imigrantes ucranianos que já se dirigiram para o nosso país. Tínhamos uma comunidade de 170 ucranianos no nosso concelho. Desde o início do conflito, entre os que já chegaram e os que estão em trânsito, vamos ter mais 50. O fundo visa não só ajudar a fazer chegar, a quem deles necessita, todos esses bens que foram recolhidos num princípio de solidariedade da nossa comunidade e das empresas, e criarmos condições para quem sentir que encontrará segurança e conforto no nosso concelho, ser recebido e integrado da melhor forma. Também a nível da Educação queremos, de facto, fazer uma integração plena.

Há já habitação disponibilizada?

Tivemos uma primeira oportunidade, das famílias e também das instituições para garantir, quase na plenitude, a este primeiro grupo de cidadãos ucranianos que estão a chegar.

O fundo que foi criado é também para dar resposta a estas situações. Se houver necessidade de arrendamento, para garantir o alojamento, vai ser utilizado. O fundo, se houver necessidade, será  até reforçado.

Promovemos, em conjunto com a AEVC, uma reunião com mais de três dezenas de empresas que se mostraram disponíveis, não só para apoiar e colaborar na recolha de bens, mas também para receber  estas pessoas que tenham condições de exercer uma atividade. Bem como as escolas, a fim de integrar no nosso sistema de educação as crianças que acompanharam, nomeadamente, as mães.

Na área social, está a ser preparado pelos nossos serviços, estão a ser criadas todas as condições físicas e materiais para que possamos garantir o melhor acolhimento possível.

O fim de algumas uniões de freguesias foi reivindicado no recente congresso nacional  das freguesias. Como está o processo no concelho?

Naturalmente que estaremos disponíveis para acompanhar a vontade das populações. Além da vontade da Meadela, temos casos noutras uniões, como Carvoeiro, Cardielos e Serreleis, Santa Leocádia de Geraz… diria que todas as uniões têm esse desejo; talvez a única exceção seja Torre e Vila Mou.

Acompanharei e estarei disponível para cada uma das situações,  mas a primeira iniciativa tem de partir da Assembleia da União de Freguesias, depois o executivo da freguesia remeterá à Assembleia Municipal e à Câmara e, por fim, à Assembleia da República. Nem todas as uniões cumprem os critérios mínimos para o procedimento. Estamos disponíveis para ajudar cada uma das assembleias de freguesia, as uniões e as juntas. A lei precisa de ser interpretada, não chega só a vontade das freguesias que se pretendem desagregar. É preciso cumprir, serem apreciados e avaliados os parâmetros e depois ver se há condições de avançar. Fomos contra a agregação, eu já estava no executivo e, agora, sendo coerente, e também por convicção, acho que a matriz utilizada para a agregação não foi a mais feliz, trouxe mais problemas do que virtudes.

No recente congreso das freguesias, foi aprovada uma moção reclamando, pelo menos, uma caixa multibanco em cada freguesia.

Acho que os eleitos têm a obrigação de interpretarem o que é a necessidade de cada comunidade. Não será fácil de concretizar, mas eles têm essa obrigação de interpretar o que a sua comunidade pretende para os  seus fregueses. Se acham que é uma condição para garantir a qualidade de vida, acho que devem lutar por isso. Materialmente é difícil concretizar. Nesse congresso de freguesias, estavam representadas cerca de mil e existem cerca de três mil. Não sei se foi só decisão de 1/3 ou os outros 2/3 acompanham.

Se tivesse que definir uma área mais prioritária entre as prioritárias, qual seria?

Há uma que, para mim, é determinante, o Desenvolvimento Económico. Não podemos pensar noutros setores se não conseguirmos gerar riqueza, e mais qualidade de vida. Teremos mais qualidade se formos mais robustos economicamente. Está tudo interligado. Não seremos competitivos, exercer melhor, se não tivermos uma boa educação. Continuaremos a dar a máxima atenção à questão da cultura. Se não conhecermos o nosso passado, a nossa identidade, não poderemos preparar e garantir o futuro. O desporto também é estrutural, não só na sua perspetiva de competição, mas também do desporto informal, da atividade ativa ao ar livre que traz benefícios para a saúde. Esta é uma nova área que estamos a assumir com responsabilidade, muito para além do que são as nossas competências.

Deixou-se de falar no slogan Viana Município Saudável?

Fomos eleitos Cidade Europeia do Desporto e os comissários, nos três dias que estiveram no nosso concelho, deram muito ênfase e relevância à atividade ao ar livre, ao desporto informal que é, no fundo, sermos um município saudável, termos qualidade ambiental, cuidar bem dos três elementos fundamentais que compõem o nosso ambiente: o  litoral, as  margens do rio, a nossa montanha… temos estado a criar condições materiais, apoiando os nossos clubes, as nossas associações, eventos desportivos e ações que consolidam, no fundo, esse principio. Mais que os slogans, é de facto o que é materializado e da forma como o é. Todos os princípios que estão afetos à Cidade Europeia cumprem e pretendem deixar marcas no território,  dentro dessa filosofia. É o compromisso que assumimos com os comissários que nos elegeram. O que interessa é criar condições para que cada vianense, independentemente da sua idade, da condição social, do local onde vive no concelho, se sinta motivado para exercer atividade ao ar livre, seja ela desportiva ou outra. Uma caminhada, não sendo uma modalidade, não pode ser desconstruída de todo este principio que é o desporto ao ar livre.

Este mandato vai ser de continuidade ou pretende ir mais além?

Cada liderança tem um estilo. Nenhum de nós é igual ao outro. Uma coisa é a crise de liderança, outra coisa é as áreas de trabalho que são estruturais. Trabalhadas com inovação e contextualizadas com os novos desafios, tentar antecipar e projetar  melhores condições que, de facto, nos façam avançar. Seja no domínio da Educação, seja no Desporto, Coesão Social e Cultural e na atividade económica.

Em todas elas, vamos empreender, preparar melhor, quer em termos de infraestruturas, em termos de capacitação; a governance é mais do que fundamental na afirmação de um território.  Criar as condições e as facilidades para quem pretende investir, habitar no nosso território, sinta que há condições de infraestruturas, qualidade ambiental, uma rede de equipamentos, sejam principais ou de retaguarda…

Em que medida o presidente de Câmara Luís Nobre vai ser diferente do presidente de Câmara José Maria Costa?

Sou naturalmente diferente. Serão os concidadãos a ver as diferenças.  Ao elegeram-me perceberam e sentiram a minha forma de estar e de ser. Há áreas de trabalho que identifiquei, que vinham a ser trabalhadas comigo e, naturalmente, coordenadas pelo engenheiro José Maria que era o presidente. Hoje sou eu o presidente e coordeno tudo. A Coesão Territorial, o Turismo e o Desenvolvimento Económico são áreas que estavam comigo. Também a Reabilitação Urbana que, muitas vezes, não se falava. Valorizavam-se outras áreas. Tive pelouros durante 18 anos. E se trabalhei as áreas naturalmente influenciei no que era o meu pensamento, a minha perspetiva e visão no que foi sendo a consolidação da minha experiência e do meu processo de crescimento no exercício desses mandatos, Naturalmente que só por mudar da condição de vereador para presidente não vou alterar o que pensava daquelas áreas. 

Há coisas que têm a ver com a natureza de cada um. Valorizarei sempre o que pode ser melhoria das condições de vida de cada vianense na perspetiva não só do material, do físico, dos equipamentos, das infraestruturas, mas, essencialmente, também das condições emocionais de cada vianense. 

Como disse na noite das eleições, o que me deixará mais satisfeito é sentir que, daqui a quatro anos, os vianenses são felizes e sentem-se com melhores oportunidades; o nosso território é mais resiliente, e têm cada vez mais vontade de se assumirem como vianenses e viver em Viana.

As zonas industriais criaram muito emprego no concelho, mas também se diz que, maioritariamente, é precário e, portanto, não garante qualidade de vida?

Há duas razões: Só há emprego e melhor emprego, se houver mais emprego; se houver pouco emprego a tendência é a desqualificação acentuar-se.

A outra condição é desconhecer-se a qualidade do emprego que está a ser formada e garantida nos investimentos que estão a ser efetuados no nosso concelho. Há meia dúzia de anos não tínhamos nenhuma empresa tecnológica, hoje temos próximo de meia centena. É emprego de qualidade. Também temos diversas empresas, como  a Corpower,  Borgwarner ou Eurostyle, que têm percentagem de incorporação significativa.

Muitas vezes, o desconhecimento leva-nos a fazer comentários mais genéricos e a remeter tudo para a mesma condição. O emprego que tem sido criado é emprego de qualidade. Não é todo, mas isso acontece em toda a parte. Nenhum território fixa todas as suas competências, é impossível. O número de jovens vianenses que se formam em Medicina  é significativo, em Ciência, é significativo. Nenhum território tem condições de os fixar todos.

Alguma mensagem que queira deixar aos nossos leitores!

Deixar uma palavra de compromisso aos vianenses, continuo motivado e dentro da descrição e da assertividade que quero para cada uma das decisões. Acredito na  minha forma de estar, de fazer, garantir ou concretizar o exercício autárquico e, desta forma, continuar  nas coisas simples, mas que possam trazer ou induzir o coletivo para grandes desafios. Nomeadamente o da transição digital, e climática, com os nossos comportamentos e disponibilidade. Também espero com todos os agentes, todos os atores, continuarmos a encontrar as melhores soluções de desenvolvimento de um território que está num patamar hoje muito mais relevante e de afirmação. Até outras cidades, outros territórios, que veem as boas praticas e inspiram-se.  

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