Vianense viveu primeiros momentos da invasão russa

Mafalda Nóbrega, 28 anos, estava em Kiev quando se iniciou a invasão da Rússia à Ucrânia. Na primeira pessoa relata-nos os momentos de tensão e as dificuldades para chegar à fronteira da Polónia. Já em Darque quer ajudar os ucranianos a chegar a Viana. Em breve quer que a amiga ucraniana Laura e os filhos cheguem à Princesa do Lima em “segurança” e que Viana se mobilize para acolher todos aqueles que fogem da guerra e querem reiniciar a vida.

Apaixonada por viajar e conhecer novos destinos, em janeiro decidiu ir conhecer aquele país da Europa de Leste, longe de imaginar que iria ser apanhada por um conflito bélico. Mafalda Nóbrega tinha amigos a trabalhar na Ucrânia e decidiu ir visitá-los. A beleza de Kiev, a organização do povo ucraniano e a cultura daquele prendem a atenção da vianense. Apesar da comunidade internacional já viver, antes de 24 de fevereiro, um clima de ameaça de guerra, em Kiev, segundo Mafalda, “no dia anterior não havia essa noção”. “No domingo anterior fui com uns amigos para os jardins e havia pessoas a fazer uma vida normal”, revela a vianenses. Adiantando que “no dia anterior [23 de fevereiro] fui ao supermercado e até fiz um vídeo para enviar ao meu pai e mostrar a normalidade que se vivia”.

“Os ucranianos são bastante conscientes e viveram as coisas de forma muito tranquila. As sirenes estavam nas ruas e as pessoas não entraram em pânico. As pessoas iam para o metro de Kiev, mas de forma ordeira”, assegura Mafalda Nóbrega.

Se no dia anterior ao despoletar da invasão russa, os ucranianos não acreditavam que tal acontecesse, pois diziam que estavam em guerra desde 2014, após os primeiros bombardeamentos muitos decidiram proteger-se nos bunkers e até abandonar o país. Mafalda Nóbrega sentiu a dificuldade de conseguir sair da capital da Ucrânia. “Nenhum taxista aceitava fazer viagens, independentemente do dinheiro que lhe dessem. Já ninguém queria trabalhar. Só queriam salvaguardar a vida deles e dos familiares”, sublinha Mafalda Nóbrega. 

O “divino” ajudou na saída

Apesar de não ser batizada e não ter sido educada na religião, acredita que o divino a ajudou a sair da zona do conflito. “A minha saída foi uma sorte”, conta. Adiantando que de quinta-feira, dia 24, para sexta-feira, dia 25 de fevereiro, recolheu-se numa casa de conhecidos ucranianos. Na manhã de 25, quando no exterior se ouviam bombardeamentos e os caças a sobrevoar a cidade, Mafalda e outros amigos estrangeiros conseguiram um autocarro para os transportar até à fronteira da Polónia, contudo teriam de fazer 12km até chegar ao ponto de partida.  “Foi muita sorte, porque esse autocarro saía às 8h e a essa hora ainda estava a 12km do local onde o autocarro partia. Tínhamos de ir para esse autocarro, mas ninguém aceitava fazer a viagem. E, de repente foi algo divino, porque um taxista aceitou fazer a viagem e conseguimos chegar ao autocarro, que estava atrasado”, revela.

A viagem até à Polónia foi outra aventura. Só para sair do distrito de Kiev, que levaria uma hora, a viagem demorou três e a chegada à fronteira aconteceu às 18h de sábado. Foram mais de 24 horas. “Foi uma viagem gigante, muito cansativa. E só com um condutor e não sabíamos o que ele já tinha feito antes. Foi uma viagem muito complicada”, sublinha.

Quando iniciaram a viagem, em Kiev, o autocarro trazia só cidadãos estrangeiros, contudo ao longo do trajeto foram recolhendo mães que estavam a fugir com os filhos. “Inicialmente no autocarro só vinham estrangeiros, mas a 20/30km da fronteira parámos. O motorista parou, numa estação de serviço, e adormeceu mesmo em cima do volante. Dormiu duas horas. E nesse período, apareceu uma funcionária da bomba de gasolina a pedir-nos que trouxessemos duas mães com os filhos. E a partir daí fomos deixando entrar algumas mães e crianças”, relata Mafalda Nóbrega. Acrescentando que esta ação permitiu-lhes que a polícia ucraniana abrisse um corredor para que chegassem mais rápido à fronteira.  “Fizemos 24 km, em 12 horas, e só fizemos durante esse tempo, porque a polícia viu que tínhamos crianças e fizeram com que passássemos em contramão até à fronteira. Mas essa viagem parecia que era interminável, porque parecia que ia acabar e nunca mais acabava”, refere.

Filas na fronteira

Chegada à fronteira com a Polónia, Mafalda Nóbrega voltou a deparar-se com uma situação de “tensão”. A existência de duas filas, uma para ucranianos e outra para estrangeiros obrigam à separação. Contudo, a vianense revela que o ideal é que houvesse mais filas para que não haja tanta concentração de pessoas. “Era tudo caótico”, revela, adiantado que o frio foi também um fator negativo. “É muito triste ver as mulheres a caminhar sozinhas com os filhos. Apesar de na última fila de fronteira terem prioridade na passagem. Elas tiveram de passar muito e deixar a família para trás. Era muito difícil ver esta situação”.

A passagem para a Polónia aconteceu às 5h de domingo, dia 27 de fevereiro. Durante o percurso, a vianense não conseguiu dormir, mas agora em território português quer ajudar quem está a fugir de um conflito que não provocou e que nunca imaginou que fosse acontecer. “Ainda não consigo tirar aprendizagens desta experiência.Percebi que ainda há muitas injustiças e não temos todos as mesmas garantias”, constata Mafalda Nóbrega.

Mafalda pede ajuda 

“Tenho uma amiga, Laura e os filhos, que apesar de inicialmente não querer sair da Ucrânia, agora quer encontrar um sítio de paz”, revela. Pedindo que a Câmara de Viana a ajude a trazer “em segurança”. 

Deixando a mãe para trás, Laura quer encontrar um sítio tranquilo para reiniciar a vida. “A minha amiga vai deixar a mãe para trás e a vida dela”, explica. Laura chegará este final de semana a Lisboa e depois subirá até á capital do Alto Minho, onde Mafalda a quer ajudar a integrar-se, contando com a ajuda da autarquia local.

Sensibilizada com a mobilização da sociedade vianense na recolha de bens para enviar para a Ucrânia, Mafalda Nóbrega diz que as necessidades não são nas fronteiras, porque os países fronteiriços estão mobilizados. Na fronteira da Polónia, a vianense viu cidadãos a deixar os trabalhos para acolher os refugiados. “Não adianta muito enviar bens para lá, porque já existe em excesso. Na Polónia há muita gente a ajudar. Nós temos de ver como ajudar aqui. Temos de abraçar as pessoas e dar-lhes um lugar de paz, um sítio para relaxar e que possam não ter medo”.

“As pessoas perderam tudo o que tinham. Sabem que nos próximos tempos não podem voltar. E quando voltarem sabem que não vão encontrar o mesmo país. Vão encontrar um país desfeito e com muitas mortes”, refere. Apelando à solidariedade dos vianenses. “Os vianenses têm de estar de braços abertos para todas as pessoas que estão a fugir da guerra. E todas as pessoas que estão em dificuldade. Neste momento, é urgente ajudar estas pessoas. Sabemos que quando ajudamos somos melhores.Uma comunidade internacional não é um a comunidade má é uma comunidade mais completa. Estas pessoas têm experiências que não tivemos e podem ajudar-nos em coisas que não sabemos fazer. Esperemos que os vianenses abracem estas pessoas”. 

A vontade de Mafalda Nóbrega é continuar a conhecer outros países, mas no imediato quer ficar em Viana e ajudar a “integrar estas pessoas que estão a fugir da guerra. Eu tenho toda a disponibilidade para isso”.  

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