A coerência que nos falta

Gonçalo Fagundes Meira
Gonçalo Fagundes Meira

Há atributos que evidenciam superiormente o Ser Humano; e entre eles a coerência. Ninguém, por mais prodigioso que seja, é levado realmente a sério quando inverte o discurso ou quando não é coerente com ele. E se isto vale para todas as situações, na política tem um peso de grande relevo.

Vai-se afirmando que a pouca seriedade dos políticos virou hábito e que, neste campo, as práticas até são toleráveis. Nada de mais errado. Os partidos e os políticos são o suporte da democracia. Sem estes o que podemos ter são regimes de cunho ditatorial. E a democracia defende-se com políticos de comportamentos irrepreensíveis. Nada na vida é perfeito e todos estamos sujeitos ao erro e à incoerência, mas há fronteiras que não podem nem devem ser ultrapassadas.

Nos primeiros dias de dezembro do ano passado, segundo a imprensa, em Bruxelas a polícia deteve 25 homens que participavam numa orgia ilegal. Entre estes estava um eurodeputado húngaro e membro do partido de extrema-direita de Viktor Orbán, que governa o país. Não faltará quem diga que as pessoas são livres de fazer o que bem entendem, mas as sociedades gerem-se, para todos, por princípios e leis. E para um eurodeputado que representa quem o elegeu, os princípios até se antecipam às leis. Acresce que József Szájer, de seu nome, era um famoso guardião do que ele próprio considerava a cartilha dos bons costumes, opondo-se, por isso, à igualdade de direitos para as minorias sexuais, descriminando e condenando abertamente a comunidade homossexual na Hungria.

Contudo, este caso, dada a sua baixeza, é bem pouco exemplificativo da incoerência na política. Gente que veste a indumentária da pureza e pela calada da noite se entretém em orgias, merece poucos comentários. Basta apenas denunciá-lo como um caso de política de pocilga.

Entre nós, o que observamos em relação ao comportamento de boa parte dos políticos sobre a desgraça que estamos a viver com a Covid-19, que nos catapultou para os piores lugares do mundo em termos de infetados e mortos, demonstra contradição e pouca seriedade. Está provado que o Governo andou muito mal ao facilitar ajuntamentos familiares no período de Natal, mas também ninguém teve a coragem de dizer que era um mau passo. Estou a lembrar-me concretamente do Presidente do CDS, afirmando que era preciso ser tolerante, que o Natal era a festa da família e que para muita gente este poderia ser o último encontro familiar. Mas agora que temos o quadro desgraçado que se vê, que nos pesa na alma pelos mortos incontáveis, condena-se acidamente quem governa o país. Ninguém quer avocar responsabilidades, mas era bom que todos fossem coerentes e assumissem que todos erraram, porque com uma oposição suficientemente crítica e mesmo condenatória, os poderes, provavelmente, pensariam duas vezes. É bonito e pedagógico assumir tanto as boas como as más decisões.

 

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