A Pneumónica em Portugal (1918-1919): Uma reflexão para o presente

Rui Maia
Rui Maia

Em 1918 Portugal conheceu uma epidemia que começou a vitimar a sua população. O primeiro caso ocorreu em Vila Viçosa, entrando pela vizinha Espanha, sem pedir licença.

Era a Pneumónica, ou Gripe Espanhola. Trazida do outro lado da nossa fronteira, vitimou sobretudo jovens, não discriminando ricos e pobres. Jacinta e Francisco, que testemunharam a aparição de Nossa Senhora de Fátima, morreriam dali a meses, não sendo poupados, nem outras figuras importantes e ilustres daquela época. Em Portugal, a doença ceifou mais de 60.000 vidas, a uma velocidade alucinante.

A sua rápida propagação não dava tempo nem para adquirir urnas para os defuntos e, muitas famílias, por antecipação, compravam-nas para poderem enterrar condignamente os seus entes queridos. A Pneumónica, cujo vírus se desconhecia, depressa se alastrou de sul para norte, num tempo em que existiam imensas debilidades no país, como insalubridade, inexistência de antibióticos, descrença na medicina, ignorância (alto índice de analfabetos), e num tempo em que os hospitais eram conotados com a pobreza e mendicidade. A Pneumónica ceifou mais de 20 milhões de vidas no mundo, numa estimativa mais tímida, uma vez que os números reais devem ser bem maiores.

Há quem aponte a sua origem mundial para a Ásia, a Europa, ou mesmo para os Estados Unidos, mas sem certeza cabal. A origem do surto em Vila Viçosa está associada ao trânsito de trabalhadores sazonais provenientes de Badajoz e Olivença, que trouxeram a epidemia.

A primeira vitima ocorreu em maio e, no mês seguinte, já estava em Leiria, tal era a velocidade de propagação. Guarda, Castelo Branco, Beja e Évora foram as localidades seguintes a ser afetadas. A Pneumónica rapidamente alcançou os grandes centros urbanos de Lisboa e Porto, e em Benavente, sete em cada 100 pessoas pereceram da doença. A primeira vaga foi entre maio e junho de 1918, a segunda até janeiro de 1919, e a última até ao verão desse fatídico ano.

A Pneumónica terá fustigado mais a população jovem devido à movimentação das tropas, e ajuntamentos militares, uma vez que estávamos em plena 1.ª Guerra Mundial, já os mais velhos teriam alguma imunidade, devido ao potencial contacto com a Gripe. As medidas sanitárias previam a limitação de movimentos, mas a teimosia dos cidadãos, a adesão a festas e outros eventos promoveram a sua proliferação. As escolas fecharam, e com elas um número grande de atividades, tal como acontece hoje, com o coronavírus – Covid-19.

Atualmente, há em algumas pessoas uma certa resistência e ignorância face à gravidade destas epidemias, de tal modo que muitas se comportam como se nada existisse. A proliferação da pandemia por que passamos, deve-se muito à inércia dos cidadãos e dos Estados, como o português, que depois de contagiado, colocou frouxas trancas à porta da doença e, que por calamidade social e económica, extemporaneamente as vai engrossando.

O momento que Portugal vive, a par de outros países europeus, instiga-nos a questionar o projeto comum, dessa «União» Europeia, que não se consegue concertar nas políticas mais elementares para a sua existência: Uma política igualitária, justa, eficaz e eficiente face a estas hecatombes na saúde pública e outros setores.

A falta de meios e infraestruturas são apenas a ponta do grande iceberg deficitário, cujas causas nos remetem para as assimetrias pantanosas que serviram de alicerces a esta construção social, económica, financeira, etc.

Lic. em História (U. M.) [[email protected]]

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