Águas turvas da corrupção

A. Lobo de Carvalho
A. Lobo de Carvalho

Costuma dizer-se que no aproveitamento é que está o ganho, o que tem a sua lógica sempre que, ao descartarem-se bens considerados inúteis, se recuperam alguns que ainda oferecem qualidade, em vez de transitarem para os depósitos do lixo. Todavia, quando o aproveitamento, no âmbito da política, tem laços estreitos com a corrupção – e porque de alguma forma compromete o Estado -, tal significa que o regime político, seja ele qual for, não está blindado com ferramentas capazes de impedir o cometimento de tais ilícitos por parte de gananciosos prevaricadores, dentro desse mesmo Estado, onde, aliás, conseguem navegar como o peixe na água. 

Portugal, neste particular aspecto da corrupção ligada à política, e não só, tem sido um mau exemplo e há que dizê-lo frontalmente. Os últimos casos trazidos a público, por uma imprensa atenta e actuante, mostram-nos quão débeis são as ferramentas de controlo para evitar tais situações, sendo de enaltecer, no entanto, a operacionalidade do Ministério Público e das nossas Polícias para os investigar e reprimir, mesmo não possuindo os recursos considerados necessários. Este esforço investigatório traz-me à lembrança uma passagem do discurso de um General com quem servi e que cito:-“ A nossa Instituição assenta,  primariamente, na vontade e honestidade dos seus homens (ainda não eram admitidas mulheres) e só depois nos meios materiais que os hão-de servir”. E, na época, esse espírito era absolutamente real, porque a falta de meios materiais era enorme. Hoje, tudo está mais facilitado, mas, mesmo assim, há resultados que só aparecem pela vontade, determinação e honestidade de homens e mulheres que trabalham os casos.

Referindo-me, especialmente, às recentes situações de corrupção no âmbito do Ministério da Defesa Nacional, é um facto que ninguém sai bem na fotografia. Como é possível que, num Ministério detentor de planos confidenciais da defesa do território, possa haver dirigentes que se deixam corromper pelo dinheiro fácil? Como é possível que não tenham sido investigados antes de assumirem os seus cargos, para haver um mínimo de garantias no exercício das funções? Se, para a admissão em certos Serviços Especiais do Estado, são realizados inquéritos e testes psicológicos de âmbito confidencial, que permitam avaliar o perfil dos candidatos (e, não obstante, por vezes falham), por que razão não se procedem a tais diligências em relação a altos quadros dirigentes? Penso que nenhum candidato deveria ficar ofendido no seu carácter, porque não se trata de desconfiança, mas tão-somente do valor supremo da idoneidade onde assenta a confiança.

Poderão aduzir que esses cargos pertencem ao domínio de nomeação e que recaem em pessoas da confiança pessoal de quem os nomeia. Aceito como normal que um ministro se faça rodear de pessoas da sua confiança pessoal, mas o facto é que nem mesmo o ministro, pelo facto de o ser, pode não oferecer garantias de absoluta idoneidade, o que reforça a necessidade de um inquérito prévio dentro da confidencialidade requerida. Não temos, por acaso, no país, exemplos que cheguem e que sobrem?

Contudo, como tal não acontece, partindo do pressuposto de que não interessará agitar as águas turvas onde se movem interesses altamente tóxicos, o panorama torna-se um pouco assustador, porque a impressão que resulta é a de que o país está a saque. Para quem tem a memória curta, lembro que um ex-Primeiro-Ministros e alguns ex-Ministros, ex-Secretários de Estado, directores-gerais, oficiais generais, magistrados, dirigentes intermédios, autarcas, etc, estão a contas com a Justiça, não por irem à missa todos os dias, mas por fortes suspeitas de corrupção, tendo já havido algumas condenações no passado. Isto é o que pertence ao conhecimento público, mas, face ao histórico, não duvido que haja outras situações ainda por detectar. Trata-se, com efeito, de uma procissão silenciosa e gananciosa na busca do dinheiro fácil, em patamares elevados da administração do Estado, que causa revolta ao cidadão comum e envergonha o país. Veja-se que até o museu da Presidência da República foi alvo do apetite devorador de um seu director!… Nada escapa!

Estes casos reais fazem admitir que, com a entrada dos biliões de euros vindos da União Europeia, destinados a retirar o país da crise, muito desse dinheiro irá parar a bolsos indevidos. Exemplos não faltam, sempre que há muito dinheiro a rolar; foi assim com os retornados após o 25 de Abril de 1974, foi assim com a formação profissional, tem sido assim com os dinheiros vindos de Bruxelas. Acredito, no entanto, que a Justiça – em que confio plenamente – está atenta, cumprirá a sua função e, oportunamente, dará a conhecer outros resultados do seu trabalho. Cabe aqui enaltecer o profissionalismo e a competência da Polícia Judiciária, que, sem dúvida, se apresenta como uma das melhores polícias de investigação criminal do mundo.

E por falar em União Europeia, não posso deixar passar em claro a detenção de uma vice-presidente do Parlamento Europeu (PE), de nacionalidade grega, por também ser altamente suspeita de ter bebido o mel da corrupção, o que originou não só o seu afastamento do lugar que ocupava, como também a sua detenção, lançando uma grande nódoa sobre as Instituições europeias que se julgavam imunes e insuspeitas, mas que afinal não o são. Poderá mesmo ser a ponta do iceberg e acredito que, se a investigação puxar o fio à meada, outras vergonhas se irão descobrir. Sendo o PE a Instituição onde estão representados todos os povos da União, não há dúvida que este caso nos enche de vergonha, reforçando a necessidade de todos os candidatos a deputados passarem pelo crivo de uma investigação prévia e de testes de personalidade. É urgente um processo de higienização nas águas turvas que nos cercam.

NR. O autor não acompanha o novo acordo ortográfico

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