Ao correr da pena

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Hoje, porque a flecha dos anos me faz ver com mais exatidão que o progresso, mas em especial o consumismo, gerado pela publicidade enganosa ou não, tem vindo a formatar o cérebro humano e a estupidificá-lo, não pude deixar de escrevinhar esta crónica muito pessoal, embora me confesse uma cândida pecadora neste aspeto. Não vou dizer que o progresso não faz falta, que a qualidade de vida não deve existir, mas não me parece que esta se possa medir por muitos dos parâmetros atuais: passeia-se o cão, pois é fixe, mas os filhos passeia-se pouco; opta-se por roupas de marca para a imagem estar em alta na praça; vai-se ao ginásio a pensar ter um corpo digno de admiração, sem pensar muito no objeto do exercício físico e que, supostamente, será o da manutenção de que o corpo carece a bem da saúde física e mental.

Socialmente, muita gente deseja ser igual ao vizinho, ao colega de trabalho, ao colega de escola, o que seria saudável, mas esquecem-se de copiar o “melhor” que esse boneco possa ter…formação académica e/ou cívica, a honestidade, a solidariedade e a humildade que anda pelas ruas da amargura.

A sociedade em geral cumpre religiosamente os dias festivos do calendário. Celebra-se com rigor o dia do pai, da mãe, dos avós, da criança, da terceira idade, da violência contra as mulheres e homens, do São Valentim…o que, sem dúvida, dá muito jeito a uma imensidade de “gente”. Mas, o mais espantoso, quanto a mim, é que se comemorou o dia do sonho.

Imaginem, porque eu não consigo imaginar a base que o sustem. Raios, por que carga de água hei de eu ter um dia para sonhar, se é legitimo para todos, desde o mais rico e feliz ao infeliz do pobre, sonhar todos os dias e não ter um dia estipulado para o fazer. É um desafio grosseiro a quem não tem tempo idade, saúde e dinheiro para o fazer. Vão recolher algum lixo nas praias de sonho que temos e pode ser que até o mais indigente sonhe ir até à praia, porque até nem custa dinheiro, o ar puro e a caminhada também são salutares para qualquer um. Os postais, as caixas, os papéis de embrulho e as guitas coloridas e brilhantes, “só” contribuem para o aumento de desperdícios.

Porque dá jeito a muita gente “insuspeita”, cumprem-se estes dias do calendário num autêntico frenesim, e está feito! De consciência tranquila, já tudo pode ser esquecido. Mesmo as juras de amor eterno e o respeito que é devido a tudo e a todos.

Durante o ano, parece, até, que as crianças, os velhinhos, as mulheres e os homens podem ser roubados, abandonados, sovados violados e/ou assassinados. Enfim, pelo menos todos têm um dia para sonhar…

Estes dias de tudo, são a vergonha dos outros dias do ano.

(Peço desculpa por este desabafo, a todos, em especial, àqueles a quem a publicidade, a ganância e o comodismo não afetaram a razão)

Lúcia Ribeiro

Professora do Ensino Básico e Secundário, aposentada.

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