Atracção fatal

A. Lobo de Carvalho
A. Lobo de Carvalho

A digerirem os resultados eleitorais, que provocaram enormes espasmos esofágicos, os líderes e as direcções dos partidos concorrentes às legislativas parece não terem, ainda, intuído esta realidade, que é a vontade dos eleitores expressa nos votos e não em palavras pintadas de várias cores. A minha forma de olhar para a nova composição da Assembleia da República (AR) não tem muito a ver com a profusão de comentários expressos por tudo o que é audiovisual, mas é mais uma, que é a minha, e vale o que vale.

Começaria por referir o enorme soco no estômago nas hostes do PCP e no BE, que, de um momento para o outro, acordaram do pior pesadelo das suas vidas, abandonados e traídos por militantes e simpatizantes que, simplesmente, lhes viraram as costas, cansados que estavam de uma retórica mais que desgastada. Restando-lhes representações parlamentares na sua expressão mais reduzida, praticamente simbólicas, ficam a saber que têm de mudar de processos e de linguagem.

Lamento, sinceramente, que o PCP tenha sido tão penalizado, porque é um partido adulto e experiente que enriquece a democracia. Contudo, creio que pagou o preço da sua irredutibilidade em questões que os seus simpatizantes não perdoam. E não é, a meu ver, forçando manifestações e berros nas ruas que se vai reerguer, porque essa é uma fórmula já demasiado corrompida a que os governos não dão grande importância. Se optar por esta via, admito que ainda perca mais apoios num futuro próximo, até porque o seu eleitorado tradicional tem vindo a apagar-se e os novos apoiantes têm uma visão mais culta e moderna de fazer oposição.

Em relação ao BE, pelo seu curriculum político, foi pena não lhe ter acontecido o mesmo que ao CDS, isto é, ficar sem representação parlamentar, considerando que é como um partido viral na sociedade portuguesa, apostando, essencialmente, nas causas desagregadoras e fracturantes. Não faz falta nenhuma à democracia, mas, ainda assim, vamos ter de o aturar por mais quatro anos na AR. Quanto ao CDS, é triste chegar à situação do zero absoluto na AR, por se tratar de um partido fundador da democracia e que deu muito ao país. Esta situação inesperada, que a todos colheu de surpresa, deve-se, exclusivamente, aos seus militantes apelidados de notáveis ou de elites, por causa dos seus egoísmos exacerbados, levando o partido a um pântano donde dificilmente se levantará, porque o capital de confiança e de seriedade se extinguiu.

O PSD foi vítima dos seus órgãos directivos, que definiram o caminho a percorrer. Desde que Passos Coelho saiu da liderança, mostrou sempre uma atracção, diria mesmo doentia, pelo PS, teimando em oferecer os seus préstimos e colaboração. Curiosamente, não era o PS que pedia, mas o PSD que repetidamente oferecia. E de tal forma isto se repetiu, que o PS, pela voz do seu Secretário-Geral e Primeiro-Ministro, até se deu ao luxo de repudiar publicamente o PSD, afirmando que no dia em que precisasse deste Partido para aprovar um orçamento, se demitiria. Perante tal posição xenófoba, o PSD só tinha que tomar uma atitude coerente e firme, mas não o fez, acabando por pagar caro. É que a generalidade dos militantes não gostou desta subserviência ao PS, que acabou por vencer com maioria absoluta e com toda a lógica. 

Mesmo até na campanha eleitoral este sentimento de convivência foi por várias vezes expresso, com sucessivos recados ao PS para apoiar o PSD, caso fosse governo, a que o PS nunca correspondeu. Ora uma grande parte dos militantes e muitos simpatizantes, que não são cegos e têm os sentidos apurados, foram ouvindo e pensando, e concluíram que, afinal, votar no PSD ou no PS, seria a mesma coisa, não perdoando o enorme desejo evidenciado pelo PSD em estabelecer relacionamento íntimo com o PS.  E foi esta atracção fatal da liderança nacional do PSD pelo PS que, em meu entender, conduziu o PSD à perda das eleições, oferecendo a maioria absoluta aos socialistas. Os militantes do PSD não gostam de dúvidas nem consentem que os seus princípios doutrinários e partidários se misturem com outros que pouco ou nada lhes dizem, pelo que este constante pedido de namoro ao PS foi um erro colossal e, quanto a mim, o móbil para a derrota eleitoral. Os militantes gostam de frontalidade, de rigor, de atitude e de firmeza, na hora certa, mas isso pouco se viu, mesmo quando o PS atacava a liderança de Passos Coelho, quando este teve de desenvolver um trabalho de gigante com a sua equipa para retirar o país da bancarrota, onde o PS de Sócrates o deixara! 

Uma palavra para o Chega. Com doze deputados eleitos na AR e como terceiro partido mais votado, queiram ou não os seus opositores, tem uma voz autorizada para falar, porque representa muitos milhares de portugueses. Só entendo as críticas de que é alvo por puro ódio e xenofobia, já que as políticas mais extremistas que defende só poderiam ter acolhimento parlamentar se usufruísse de uma posição influente, coisa que não acontece, tendo de se submeter à maioria. Convençam-se que tem tanto direito a existir como qualquer outro e não é pelo facto de ser um partido de direita que é menos importante, porque dá voz a quem nele confia, e são muitos milhares de eleitores!… De resto, creio mesmo que a sua subida no espectro político se deveu à importância que todos os outros partidos, jornalistas e comentadores lhe atribuíram, ao trazerem-no para a ribalta todos os dias e a todas as horas da pré-campanha e da campanha, conferindo-lhe uma importância extrema!

Finalmente, o Iniciativa Liberal (IL), que constituiu uma surpresa pelo seu crescimento e cujo ideário político tem muito em comum com o PSD. Sendo um partido recente e com boas ideias para o país, parece ser uma força importante no xadrez político que enriquece a democracia.

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