Como transformar um fascista num socialista

Joao Cerqueira
Joao Cerqueira

Devido à propaganda dos media, para a maioria das pessoas o Socialismo é o oposto do Fascismo. Porém, quer a História da Europa quer a história que irei contar demonstram precisamente o contrário. Fascismo e Socialismo têm muito em comum, sendo até parentes próximos. Eis os factos: Benito Mussolini, o fundador do Fascismo, foi durante anos um activista e dirigente do Partido Socialista Italiano. Mussolini inicia a sua actividade política em 1902 quando se refugia na Suíça para fugir ao serviço militar. Junta-se ao movimento socialista italiano, escreve para o jornal L’Avvenire del Lavoratore e apoia uma greve – o que o leva a ser expulso do país. Em 1909 é nomeado secretário-geral do Partido Trabalhista em Trento, em 1910 torna-se director do jornal Lotta di classe e publica o ensaio Il Trentino veduto da un Socialista. Em 1911 é preso por participar num protesto contra a guerra imperialista na Líbia, organizado pelo Partido Socialista Italiano. Quando é solto, torna-se num dos principais líderes socialistas. Mussolini estava pois fadado para ser o secretário-geral do Partido Socialista Italiano, não fosse ter ocorrido a Primeira Guerra Mundial. Então, ao contrário dos restantes partidos socialistas europeus, o PSI decide que a Itália deve permanecer neutral. Mussolini discorda, protesta e acaba expulso.

Só então funda o Partido Fascista substituindo a igualdade social por um nacionalismo que revolucionário que transcenderá a luta de classes. Nisso, de facto, o Fascismo difere do Socialismo. Todavia, na omnipresença do Estado na sociedade e na submissão do indivíduo ao colectivo, as duas doutrinas são muito semelhantes. Mussolini mudou algumas ideias, mas uma base do pensamento socialista permaneceu.

Passo agora à pequena história onde, ao contrário, um fascista se transforma em socialista. Desde o 25 de Abril que o senhor X (obviamente não posso identificá-lo), amigo de familiares próximos, proclamava a sua admiração por Salazar e a repulsa pela democracia. Como alguns portugueses que viveram no regime do Estado Novo, considerava que a revolução dos cravos tinha sido uma desgraça para Portugal. Salazar era honesto e honrado ao contrário dos políticos actuais, corruptos e oportunistas. Que melhor prova poderia haver da justeza das suas teorias? Mas eis que, tal como a Mussolini, acontece-lhe algo inesperado que lhe vai mudar as ideias: a bancarrota de Sócrates, a vinda da Troika e austeridade. E assim, de repente, o senhor X vê a sua pensão diminuída. Todavia, em vez de culpar Sócrates ou PS, culpou Passos. A responsabilidade não era do homem que governou Portugal durante seis anos, nem do seu partido. Era, sim, dos que avisaram durante esse mesmo período que o país caminhava para o abismo. Passou então a odiar Passos Coelho e a Direita, os patifes que lhe haviam cortado a pensão. De nada adiantou terem tentado convencê-lo de que fora Sócrates a chamar a Troika, que o PS assinara o memorando da austeridade, que Passos só aparecera depois e que não tinha alternativa senão cumprir as regras.

Depois, a Geringonça toma conta do poder e o senhor X volta a receber a sua pensão. E foi assim que o homem que toda a vida idolatrou Salazar se tornou socialista.

Ai de quem, agora, lhe diga que o país está a ser mal governado, que a austeridade continua nos hospitais, transportes e outros serviços públicos ou que os países de leste nos estão a ultrapassar. O senhor X não quer saber dessas minudências: a sua pensão foi reposta e nada mais lhe interessa – nem sequer que a conta irá ser paga pelos seus netos.

O senhor X e Mussolini, caso se tivessem conhecido, era provável que se tivessem tornado bons amigos.

João Cerqueira

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