Condecorações “à la carte”

A. Lobo de Carvalho
A. Lobo de Carvalho

Quando uma condecoração é atribuída, tal deve significar uma excepcionalidade e uma distinção entre os cidadãos, considerados individualmente ou em grupo, por feitos de relevante significado para a sociedade e para o país. É assim que se premeiam actos de coragem e de heroísmo de militares em combate, bem como a excelência de outros comportamentos de índole social, para que possam servir de exemplos a seguir.

Em Portugal, as condecorações são muitas e variadas, tendo cada uma por objecto um fim específico que se pretende enaltecer. Existem condecorações para todos os gostos, mas, na actualidade, atingiram tal expressão, que perderam muito daquele impacto e daquele significado relevante que lhes estava imanente. Não creio que haja razões objectivas que justifiquem esta política de vulgaridade honorífica, antes se transforma em actos de heroísmo aquilo que são práticas comuns num ser racional.

Todos sabemos que ainda estão entre nós alguns (poucos) comendadores “à moda antiga”, ou seja, aquelas pessoas que, sendo ricas por força do seu empreendedorismo, ou até por heranças, souberam desprender-se de muitos dos seus bens em favor da promoção social nas suas terras de origem e não só, ou oferecendo vultuosas quantias de dinheiro para obras dirigidas aos mais desfavorecidos, que o Estado enalteceu. Na minha vida, tive dois excepcionais amigos desta estirpe, que foram verdadeiros heróis nas suas comunidades e na nossa sociedade, que, infelizmente, já partiram. Foram eles os Comendadores Abílio Ferreira de Oliveira, de Santo Tirso, e Manuel Gonçalves, de V. N. Famalicão, dois vultos enormes da sociedade nortenha, cujas memórias guardo com respeito e saudade.

Aquando do 25 de Abril de 1974, durante o PREC (Processo Revolucionário Em Curso), trabalhadores afectos à extrema-esquerda tentaram desestabilizar as empresas destes ilustres cidadãos, levando-os a terem de viver em Espanha durante meses, o que originou que as empresas tivessem problemas sérios de tesouraria, laboração, falta de matéria-prima, etc. O Comendador Manuel Gonçalves, fruto de uma calúnia anónima, chegou mesmo a estar preso por ordem do então comandante do COPCON (Comando Operacional do Continente), Brigadeiro graduado Otelo Saraiva de Carvalho. Passados talvez cerca de dois meses, teve de ser posto em liberdade por nada se ter provado contra a sua pessoa. O Comendador Abílio de Oliveira, que fora igualmente alvo dos ódios da extrema-esquerda, regressou também em segurança ao país e tive a honra de o receber no meu gabinete de trabalho, banhado em lágrimas de alegria por voltar ao seio da sua família, à sua terra e às suas empresas, mantendo a chama da esperança aos seus trabalhadores, assegurando-lhes os seus postos de trabalho.

Recordo-me que aos sábados, havia autocarros repletos de trabalhadores e outros cidadãos que, pela Fronteira de Valença, se dirigiam à Galiza, como se de peregrinações se tratasse, pedir a estes senhores comendadores que não os abandonassem e voltassem para o país, porque as fábricas estavam em grandes dificuldades e assim perderiam os empregos. Tal acabou por acontecer após o 25 de Novembro de 1975, tendo as empresas voltado ao normal na sua laboração. Estes dois exemplos ilustram bem o respeito que tinham nas suas comunidades e a confiança num futuro mais promissor. 

Na actualidade, é justo sublinhar, também, o comendador Rui Azinhais Nabeiro, que, sendo da mesma estirpe dos anteriores, tem sido um benfeitor importantíssimo para a população e para a vila de Campo Maior, quer na promoção social, quer como grande empregador nas suas empresas, quer ainda como filantropo. Em minha opinião, são estes, e outros como estes, que encerram as características de verdadeiros exemplos a seguir, conferindo um real significado, até ao fim das suas vidas, às comendas com que, justamente, foram agraciados pelo Estado. E o curioso é que todos começaram praticamente do nada, o que lhes confere ainda mais respeito e admiração. E são nomes que para sempre ficarão ligados às suas comunidades, onde se fizeram adultos, onde trabalharam arduamente e onde souberam ser empreendedores, tendo deixado obra social feita e um legado extremamente honroso para os seus filhos. Nos dias de hoje, as condecorações estão vulgarizadas e perderam todo aquele misticismo, exactamente porque deixaram de ser uma excepção e passaram a ser um procedimento corrente. Qualquer gato pingado é condecorado pelos motivos mais banais, quer cá dentro, mas também lá de fora, acontecendo até que há quem some nódoas no registo criminal, em vez de acções positivas de carácter excepcional no curriculum, o que não deixa dúvidas quanto a levianos critérios de atribuição das distinções do Estado. Estado que, sendo uma entidade de bem, deve ser preservado de procedimentos que o diminuam.

Também nos meios militar e policial existem condecorações para todos os gostos, sendo que, no meu ponto de vista, as que encerram verdadeiro significado não são as obtidas em gabinetes com ar condicionado, salvo raríssimas excepções, mas sim as obtidas no terreno por actos de bravura, seja na coordenação de meios e recursos, seja no combate ao crime, seja na investigação criminal, seja no combate aos fogos, onde o risco da própria vida está sempre presente. Condecorações feitas “à la carte” retiram-lhes não só o seu sentido intrínseco, como influenciam a progressão nas carreiras, frequentemente gerando injustiças. 

Uma revisão geral dos critérios de atribuição das condecorações nacionais seria ideal, de forma a não atirar para a vulgaridade aquilo que são actos relevantes e excepcionais.

N.R.: O autor não acompanha o novo acordo ortográfico

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