Consumidores: acionistas forçados das agências de viagens sem direito a dividendos?

Mário Frota
Mário Frota

A polémica em torno das viagens organizadas canceladas, em particular as que se centravam nos finalistas do secundário, e dos correlativos direitos dos consumidores subiu de tom nas últimas semanas.

Após a proibição pelo Decreto de Execução do Estado de Emergência das viagens de finalistas e do seu “reagendamento”, veio a lume a 23 de Abril em curso o DL 17/2020 que, em nosso entender, tende a garantir o funcionamento das agências de viagens e turismo a expensas das famílias que haviam reservado viagens (dos conhecidos pacotes e ou outras), em claro desequilíbrio de posições e com afronta a instrumentos europeus a que o País deve necessariamente obediência (v.g., a Directiva 2015/2302, de 25 de Novembro).

Que soluções aportou o legislador?

De modo breve:

“As viagens organizadas por agências de viagens e turismo, cuja data de realização tenha lugar entre o período de 13 de Março de 2020 a 30 de Setembro de 2020, que não sejam efectuadas ou que sejam canceladas por facto imputável ao surto da pandemia da doença COVID-19, conferem, excepcional e temporariamente, o direito aos viajantes de optar:

  • Pela emissão de um vale de igual valor ao pagamento efectuado pelo viajante e válido até 31 de Dezembro de 2021; ou
  • Pelo reagendamento da viagem até 31 de Dezembro de 2021.
  • O vale (voucher) é emitido à ordem do portador e é transmissível por mera tradição.
  • Se não for utilizado até 31 de Dezembro de 2021, o viajante tem direito ao reembolso a efectuar no prazo de 14 dias.”
  • Se, porém, o titular da reserva se achar desempregado o reembolso do preço pago será a solução vertida na lei.
    No limite, viagens pagas agora só serão eventualmente reembolsadas em 2020, num enorme hiato que prejudica gravosamente as famílias.

Na ponderação de interesses, ante famílias que sofreram forte rombo com a situação que ocorre e as empresas que sempre terão à sua disposição os programas de financiamento que o Estado põe à sua disposição, não se concebe que hajam de ser aquelas a garantir a subsistência das agências de viagens sem quaisquer contrapartidas.

Além do mais, com o decretamento da pandemia a 11 de Março pela OMS, todos os destinos turísticos ou não seriam sempre locais de perigosidade acrescida, estando vedados aos viajantes.

Daí que não se perceba o facto de o legislador ter afrontado regras imperativas editadas pelo Parlamento Europeu e se acham em vigor (n.º 2 do artigo 12 da Directiva), traduzidas na Lei portuguesa, a saber:

“ … O viajante tem direito a [pôr termo a]o contrato de viagem organizada antes do início da viagem organizada sem pagar qualquer taxa […] caso se verifiquem circunstâncias inevitáveis e excepcionais no local de destino ou na sua proximidade imediata que afectem consideravelmente a realização da viagem organizada ou o transporte dos passageiros para o destino.

Em caso de [extinção]do contrato de viagem organizada nos termos do presente número, o viajante tem direito ao reembolso integral dos pagamentos efectuados para a viagem organizada, mas não tem direito a uma indemnização adicional.”

Reembolso integral, sem mais.

Os consumidores poderão impugnar nos tribunais as normas editadas em Portugal a 23 de abril.

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