Cultivar flores

Manuel Quintas
Manuel Quintas

A assistente da minha velhice gosta muito de cultivar flores. É por isso verdade que eu, devido a ela, vivo num pedacinho de Portugal florido no n.º 74 da rua de Valverde. E ela é tão escrupulosamente asseada que até o lixo doméstico não é posto à porta, mas diretamente levado ao contentor da rua. E foi mesmo a pensar no lixo que entendi passar a escrito o que tal pensamento me sugeriu. E vieram-me à cabeça os pedófilos, os estupradores, os incendiários, os assassinos, os sujos, os arrogantes e toda a qualidade de tratantes.

Tantos seres humanos só produtores de lixo. E não há mesmo dúvida de que, quem só tem lixo na consciência, só pode produzir lixo; e quem só produz lixo, só tem lixo para oferecer. E dei comigo depois a pensar que, com tanto lixo legislativo atirado para cima dos cidadãos, Portugal quase virou lixeira:
– Em cada três casamentos, dois dão em divórcio;
– A natalidade decrescente deixa pais e pátria sem futuro;
– O planeamento familiar pratica-se muito com a distribuição de drogas favorecedoras de prazeres baratos e desonestos;
– As gravidezes precoces dispararam sem que alguém se interrogue como voltar atrás;
– A vida humana passou a valor precário e secundário: mata-se por dá cá aquela palha;
– As formas de violência multiplicaram-se; ninguém quer ficar por baixo;
– A grande corrupção julgada no tribunal quase sempre se safa ou absolvida ou adiada indefinidamente;
– O desemprego generalizado, gerador de muitas apreensões, levou muita gente ao estrangeiro e tornou-se numa situação normal.

Lixo. Lixo. Lixo. A palavra lixo foi a palavra com que, ainda há bem pouco tempo, as agências internacionais de cálculos económicos tanto nos humilharam.

Está mesmo na hora de fazer como faz a minha assistente: produzir flores para assear os caminhos da nossa vida e as estradas da nossa Pátria.

Santa Luzia foi uma das belas flores do cristianismo sem lixo; foi branca açucena de pureza e foi lírio vermelho de martírio. Ela aponta para o coração de Jesus Cristo que é o mais rico jardim que Deus ofereceu aos homens que não querem lixo. Aqui vai um convite: vai olhar para ela. Se o fizeres sem pressa, sairás de lá revestido de floridas virtudes a ti oferecidas por ela. Mas a imagem histórica que o padre Carneiro venerou com devoção de santo, que eu venerei com devoção de pecador e que o povo venerou com afeição de amor, saiu do santuário e ainda não voltou. E ela não era lixo. O santuário precisa daquela flor.

Foto: Culturmix

 

Outras Opiniões

Os leitores são a força e a vida do nosso jornal Assine A Aurora do Lima

O contributo da A Aurora do Lima para a vida democrática e cívica da região reside na força da relação com os seus leitores.

Item adicionado ao carrinho.
0 itens - 0.00

Ainda não é assinante?

Ao tornar-se assinante está a fortalecer a imprensa regional, garantindo a sua
independência.