Deferências

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Uma das coisas que mais me surpreendeu durante os primeiros tempos em Viana do Castelo era a deferência como era tratado pela quase totalidade das pessoas, sobretudo aqueles que tinham no mar a sua forma de vida.

Essa deferência, obviamente, resultava do cargo que desempenhava e que, diga-se, em abono da verdade, se manteve, pelo menos presencialmente, até ao último dia em que ali prestei serviço, (permita-se-me um parêntesis para afirmar que nunca, quando depois me encontrei em Viana do Castelo, deixei de ser bem recebido pelas mesmas pessoas).

Há, no entanto, uma situação que, passados que são quase 40 anos, ainda hoje me intriga qual a categoria em que poderei inserir o comportamento que um pescador, de que agora não recordo o nome, tinha, sempre que se cruzava comigo.

O pescador em causa, num dos primeiros dias da minha estada, quando eu pretendia sair de carro do estacionamento da Capitania, “atropelou-me”, com a motorizada que conduzia, ao entrar com velocidade em excesso no largo, não conseguindo nem ele, nem eu, impedir a colisão que, embora ligeira, teve como maior consequência a sua queda.

Confesso que, quando o vi levantar-se, com parte da cara toda encarnada, me preocupei com a sua integridade física, preocupação essa que só desapareceu quando me apercebi que afinal o encarnado mais não era do que tintura de mercurocromo sobre um ferimento
Do acidente mais não resultaram do que pequenos arranhões na pintura de ambos os veículos, avarias essas que o pescador fez questão em pagar, já que se considerava, e em boa verdade o era, responsável pelo acidente. Dada a aproximação do final de vida útil da viatura da Capitania e da insignificância dos danos contestei tal decisão, contestação essa que por mais argumentos que eu apresentasse não logrou qualquer sucesso, me levando a que, por fim, me resignasse com a posição por ele assumida, até porque, segundo me afirmou, tinha seguro de acidentes. Julgo, mas não o posso afirmar com toda a certeza, que, para rematar aquela pequena discussão terei concluído com a seguinte expressão (ou outra do mesmo tipo): “Albarde-se o burro à vontade do dono”.

Não sei se foi pela frase que eventualmente terei pronunciado, ou pela “discussão “que tivéramos, ou por outra qualquer razão que ainda hoje não consigo descortinar qual fosse, ou porque afinal as coisas são mesmo assim, o que é um facto é que sempre que nos cruzávamos, o tal pescador solicitamente me questionava quanto ao meu estado de saúde, iniciando sempre o discurso do seguinte modo: “Vossa Insolência….”

Carlos E. Gomes

P.S. Sei, de certeza certa, porque mo fizeram saber, que dois vianenses, que também se consideram gente, se dão igualmente ao trabalho de ler o que aqui vou escrevendo, duplicando desta maneira o número de leitores que julgava ter.

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