É tudo “furto” do seu trabalho…

José Carlos Freitas
José Carlos Freitas

Portugal, país de costumes tradicionalmente tão brandos que permitem, desculpam e justificam quase tudo, tem tudo para não ter (de ser) quase nada. Mas, na verdade, é o nada ou o pouco que vamos tendo (e sendo), reféns de um crónico laissez faire que aduba o latifúndio do abuso, da falta de escrúpulos e da impunidade, explorado, em muitos casos, precisamente por aqueles a quem confiamos a condução dos nossos próprios destinos. Na prática, temos escolhido raposas para nos guardar o galinheiro, esperando, ingenuamente, que o façam com sucesso, mesmo quando sabemos que uma raposa jamais governará um galinheiro que não em exclusivo proveito próprio. Ainda assim admiramo-nos quando uma galinha aparece depenada ou é impiedosamente comida por tão astuto e faminto predador. Mas o que fazemos, à primeira oportunidade? Substituímo-lo por outro, talvez de pêlo mais brilhante e de olhar mais cândido, mas de igual argúcia e ambição. Malditos brandos costumes…

As polémicas que invariavelmente intrincam o mundo da política, dos negócios e da alta-finança num mesmo denominador comum (corrupção e/ou abuso de posição), são especialmente graves porque inquinam irremediavelmente o princípio da confiança que sustenta os pilares da relação entre eleitos e eleitores, eixo fundamental de um sistema político assente em valores democráticos e de direito, como é o nosso. Se é certo de que podem assumir diferentes formas, cores e protagonistas (Operação Fizz, Marquês, BPN, BPP, Moderna…), no final emanam sempre o mesmo pestilento cheiro a promiscuidade, a ganância e a aberrante impunidade. É o admirável mundo das raposas.

Mas raposas há muitas e de muitas espécies. Não têm cor nem partido. Há as raposas banqueiras, as empresárias, as judiciais, as desportivas e as políticas, entre muitas outras. Há raposas que pagam, e há outras que recebem, a troco de serviços, de favores e de impossíveis contorcionismos morais. E há-as de vários tamanhos. Há as mais pequenas, que se contentam com uns “cobres” extra sacados em ajudas de custo, à custa do recurso a expedientes tão simples quanto eficazes, como a apresentação de falsas moradas de residência. Essas estão em todo o lado, excepto, curiosamente, na capital. São as raposinhas de província, mesmo que aí não vivam, e que sonham ser raposonas, um dia. E depois há essas raposonas, de maior calibre, habituadas não magras a galinhas, mas a suculentos bifes do lombo de 8 ou 9 dígitos de euro, servidos, de novo, a troco de favores, de privilégios e das mais extraordinárias manigâncias. Essas são especiais, pois raramente se deixam apanhar pelas armadilhas de uma justiça de pacotilha, dos dois pesos e das duas medidas, que as galinhas têm coniventemente aceitado como a inevitabilidade que jamais poderia ter sido e que, finalmente, está a deixar de ser. Já ocuparam os mais altos cargos públicos e políticos, o que lhes rendeu uma promíscua rede tentacular de influências de enorme abrangência, reduzindo a probabilidade de serem apanhados, depois julgados e, se condenados, de cumprirem pena efectiva. Mas os ventos parecem estar a mudar, ameaçando arrancar-lhes tão farto e lustroso pêlo.

É o caso de um conhecido raposão que, independentemente de quaisquer outros ilícitos que lhe venham a ser imputados (e provados), foi, comprovadamente e em simultâneo, Ministro da Economia e avençado (pago a 15.000€/mês) da EDP e/ou do Grupo Espírito Santo, transformando-o numa espécie de mercenário a soldo de interesses manifestamente antagónicos aos do Estado que jurou defender, logo lesivos para os interesses de todos (menos os dele, claro). Antes conhecido pelos dois dedos que levou à testa, prova agora não ter nem nunca ter tido os dois dedos de testa e a vergonha na cara que lhe eram e são exigíveis. Como não os teve um outro raposão, ainda maior que o anterior, de quem foi, aliás, seu “supremo líder”, e que durante anos viveu literal e assumidamente “à grande e à francesa”, financiado por uma mais do que excessiva “caridade” de um amigo (palavras suas), o que configura, sem mais, um comportamento obviamente suspeito e profundamente incompatível com a integridade e a transparência exigíveis a alguém que já foi o primeiro dos ministros de um governo. Enredado nas malhas de uma rebuscada teia de suspeições e de inverosímeis explicações, vê-se agora saneado pelos seus próprios pares, amigos e ex-companheiras (restar-lhe-á a mãe, apenas), que dele fogem como o diabo da cruz, negando-o, como fez Pedro a Cristo. Colhe apenas o que semeou, carregando a cruz que forjou e que terá que pagar. Não tenham pena: tudo o que tem (e que perderá), é “furto” do seu trabalho…

J. Carlos Freitas

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