Erros políticos

A. Lobo de Carvalho
A. Lobo de Carvalho

Numa das últimas edições deste jornal foi publicado um artigo de opinião com o título ”Facto político” em que, na sua essência, se referia que o governo, para tentar desviar as atenções do Serviço Nacional de Saúde (SNS)    que andava pelas ruas da amargura e gerava grandes críticas na comunicação social e nos partidos -,  criou um facto político, chamando à ribalta a necessidade de localização do novo aeroporto de Lisboa, tentando com isso concentrar o interesse da discussão pública noutra matéria onde poderia dividir responsabilidades com os partidos que compõem a Assembleia da República. Concordando-se ou não com o que então foi escrito, a realidade só os intervenientes a conhecem. 

A comunicação social, com efeito, passou alguns dias a falar da localização do aeroporto, deixando o SNS e outros problemas para segundo plano. Todavia, os numerosos casos problemáticos nos hospitais, nomeadamente nas urgências, a incompetência na gestão dos recursos humanos de médicos e enfermeiros, as centenas de pedidos de escusa destes profissionais, as mortes associadas ao deficiente funcionamento hospitalar, os vencimentos inapropriados para a profissão e seus riscos, a exigência de horas extra acima do que é humanamente possível, podendo colocar em risco os actos médicos, a falta de especialistas em diversas valências, etc, trouxeram novamente para a comunicação social o mundo dos problemas do SNS. E é nele que, presentemente, vivemos.

Durante todo o Verão surgiram situações cada vez mais graves, com mortes de cidadãos e transferência de doentes para outros hospitais, e o resultado só poderia ser este, ou seja, a demissão da Ministra da Saúde. Primeiro, porque a sua ideologia de repulsa aos Privados colapsou, com a rejeição das Parcerias Público-Privadas (PPP); segundo, porque os problemas se multiplicaram; terceiro, porque nunca o SNS bateu tão fundo e porque foi completamente inábil na interacção com os órgãos representativos dos trabalhadores da Saúde. A sua arrogância levou-a demasiado longe e a sua estrela apagou-se. Era um final previsto, como foi!

Na verdade, quando existiam as PPP da Saúde, que funcionavam de forma muito positiva, como eram, por exemplo, os casos de Braga e Loures, nunca os utentes passaram por situações demasiado complicadas, e, à parte um outro pequeno problema, a prestação de cuidados e a gestão de recursos humanos eram eficientes e os utentes estavam satisfeitos. O problema é que fomos comandados pelas ideologias, tão do agrado das esquerdas e da ainda Ministra da Saúde, que criaram a grave situação em que nos encontramos.

A gestão de recursos humanos é uma matéria fulcral para a Saúde e merece que neste sector prestem serviço pessoas altamente especializadas, e não ninhadas de familiares e amigos que só entopem os circuitos para a tomada de decisões. Trata-se de uma área muito sensível que requer regras ajustadas à realidade de cada Unidade de Saúde. Se o que está em jogo é a poupança de recursos públicos, a verdade é que aquilo que o Estado pagava aos Privados por causa das PPP tinha um retorno positivo reflectido nos utentes e ficava mais barato. 

O poder absoluto do PS, que lhe foi outorgado pelos eleitores, não torna o país melhor, trava a democracia, cria vícios, gera a multiplicação de interesses, favorece o amiguismo e há menos possibilidades de controlo. Por isso, fui, sou e serei sempre contra os governos de maioria de um só partido, porque as minorias são desprezadas e corre-se o risco de termos de enfrentar tiques ditatoriais, o que é profundamente negativo.

Este governo, ainda com curta existência, parece dar, já, mostras de cansaço, não dominando a problemática nacional, deixando-se conduzir ao sabor da Comissão Europeia (CE) no seu todo e assumindo posições muito discutíveis. O apoio cego às políticas da União Europeia (EU), de que se destaca a adesão a todos os pacotes de sanções à Federação Russa, só trouxeram problemas aos cidadãos, nomeadamente no sector das energias e na carestia de vida, com uma inflação galopante. É muito louvável que Portugal seja solidário com a Ucrânia, mas sem desprezar os cidadãos nacionais, porque é função primária do governo assegurar o bem-estar dos seus. Há governos que não alinharam com todas as sanções e admiro-os pela sua coragem. Não é função do governo português arranjar inimigos, nem se deixar comandar pela cegueira política e interesses duvidosos de alguns pares. 

No presente, a CE prepara-se para proibir a concessão de Vistos aos cidadãos russos no território da UE, e o MNE já apoiou a iniciativa, o que é um erro colossal e com reflexos profundamente negativos. Os cidadãos russos que desejam tal medida não são combatentes nem andam aos tiros e, de resto, existem relações diplomáticas, materializadas no funcionamento das embaixadas em Moscovo e Lisboa, que devem ser respeitadas.

Os erros políticos acabam por ter consequências. Interna e externamente, sente-se o país à deriva e é expectável que o mais alto representante da nação não se distraia e, se for caso disso, tenha a coragem de agir como o fez Jorge Sampaio, quando ocupava as mesmas funções, para que seja possível reencontrar o rumo perdido.

Outras Opiniões

Os leitores são a força e a vida do nosso jornal Assine A Aurora do Lima

O contributo da A Aurora do Lima para a vida democrática e cívica da região reside na força da relação com os seus leitores.

Item adicionado ao carrinho.
0 itens - 0.00

Ainda não é assinante?

Ao tornar-se assinante está a fortalecer a imprensa regional, garantindo a sua
independência.