Esquerdo, direito, 1,2

A. Lobo de Carvalho
A. Lobo de Carvalho

Com uma voz de comando do oficial ou do sargento, proferindo esta ordem, assim se iniciavam numa formatura os primeiros passos na vida militar, com especial preocupação na disciplina, que nos haveria de ser altamente importante no desempenho das diversas missões. Aprendemos a estar todos com o passo e uma cadência de marcha certas, sem desafinar, criando o hábito de obedecermos a ordens que nos fariam ser solidários em situações complicadas, ao mesmo tempo que gerava em todos um espírito de corpo e coesão que mais cedo ou mais tarde seria posto à prova em teatros de operações. Para os jovens do meu tempo e para muitas outras gerações antes e depois da minha, era aquela fase da vida em que saíamos do berço e da protecção familiar para aprendermos a ser homens, a ser responsáveis, a criar nervos de aço, a dominar egoísmos e a enfrentar as dificuldades, quaisquer que elas fossem. No que me diz respeito, posso afirmar que a vida militar me temperou para as agruras da vida real e não posso deixar de reconhecer aos políticos de então essa obrigatoriedade patriótica.

Milhares e milhares de jovens juraram defender a Pátria, centenas deles ofereceram a própria vida, outros ficaram com lesões graves e a maioria voltou das campanhas ultramarinas sem sequelas físicas ou mentais. Obtive de Deus a graça de me incluir neste grupo e é com saudade que, agora no outono da vida, recordo os meus camaradas e saúdo todos aqueles que combateram em terras de além-mar, a quem deixo um abraço solidário. Excluo deste abraço os desertores ou outros habilidosos golpistas, porque nunca pactuei com a cobardia.

Os tempos evoluíram e impuseram-se grandes alterações, tendo culminado com uma paisanice nada conforme com o passado glorioso do país, acabando-se com o Serviço Militar Obrigatório (SMO). A maioria dos políticos assim o entendeu por mero tacticismo, mas, pessoalmente, penso que se cometeu um erro, porque se perdeu aquele élan, aquele orgulho nacional que era um forte polo de união da sociedade. Evaporou-se a noção do patriotismo e instalou-se em seu lugar o comodismo e o egoísmo. Os maneirismos saíram do cofre e andam à solta numa onda de loucura para cativação do espaço social. Nas gerações mais novas uma grande parte não sabe o que é a disciplina e a solidariedade, desconhece a ética e a moral, não sabe o que é o sofrimento nem o gosto saboroso da vitória. Pelo contrário, é a libertinagem que os orienta, alimentados, sobretudo, pelo lixo televisivo e pelas novas tecnologias do audiovisual.

Partilho da opinião de que deveria voltar a ser imposto o SMO, porque ajudaria os jovens a confrontá-los com a realidade da vida, incutindo-lhes disciplina, instilando-lhes sentimentos de coesão, impondo-lhes deveres e direitos, ensinando-os a respeitar regras, preparando-os para enfrentarem as dificuldades! Isto, evidentemente, tendo como motivação principal criar um sentimento patriótico de defesa civil desta Pátria que é a nossa, em caso de necessidade, porque nunca se sabe o dia de amanhã. Poderia ser um SMO obrigatório com um mínimo de seis meses para o sexo masculino, e facultativo para o feminino por razões óbvias. Argumentarão que os jovens sairiam prejudicados nos seus estudos e carreiras, mas, no passado, também houve esses e outros problemas que cada um ultrapassou como pôde com o seu esforço e espírito de luta. E não deixou de haver cidadãos com valor, inovadores e empreendedores.

Embora concorde que as Forças Armadas devam ser altamente especializadas, face à tremenda evolução das tácticas, do armamento e outra tecnologia bélica, não me sinto nada orgulhoso por ver que actualmente os militares são manuseados como peças de xadrez, pelos políticos, para serem usados fora do território nacional, com missões em terras com as quais não há ligações históricas nem afectivas. Criticava-se muito o poder vigente, no passado, por os nossos jovens arriscarem a vida em terras da além-mar, mas agora parece ser um orgulho para alguns vê-los envolvidos em tiroteios em terras com as quais nada temos a ver.

Precisamos de um sentimento renovado de patriotismo, não aquele de ocasião de que alguns se servem só para determinados fins egoístas, mas um patriotismo sincero, assumido, real. E o SMO seria, sem dúvida, uma mais-valia para obtermos este desiderato. Custa dinheiro? O país não tem? Roube-se menos, obrigue-se os defraudadores a reporem o que roubaram, gaste-se com mais critério e alterem-se algumas prioridades, que só servem para alimentar vícios, luxos e clientelas. No passado havia menos, a dívida pública nunca atingiu valores como actualmente e isso só foi possível por existir uma cadência de marcha afinada. Hoje o país está possuído por aquilo que possui. E o que será que possui? Golpistas, interesseiros, ladrões de colarinho branco, libertinos, corruptos a todos os níveis da administração do Estado e sociedade civil, traidores disfarçados de heróis, etc, etc. Para a população que somos, deveríamos ter mais gente séria!

Foto: BBC.com

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