Este mundo não é para velhos

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Se há algo insofismavelmente salutar na democracia, é a possibilidade de alternância de poder em contraposição ao totalitarismo, sendo que esse poder é do povo, pois não são os partidos que ganham eleições, é o povo que ganha representantes no sentido plural. Porém este ainda não se consciencializou que ingere um placebo ao votar, pois aqueles que elege, rapidamente se tornam oblatos de um líder. E é aqui que este prolegómenos faz sentido, pois mal se conhece a constituição do novo governo e já a parlapatice insidiosa toma assento na tribuna maledicente, a mesma que destruiu Sócrates, Passos e a «Geringonça», ou conduz a opinião pública à defenestração de ministros por mero protagonismo balofo.

Assim, gostaria de, em termos de conceitualização dos princípios de liberdade de expressão, não ter razões para afirmar  que Portugal enquanto se não libertar dos seus preconceitos primários onde se gera a inveja, a calúnia, a vacuidade de argumentos, a falácia corrosiva, a mesquinhez das crenças e demonolatrias, a doblez de consciência, as atitudes histriónicas, as opiniões histéricas sem uma pré reflexão inteligente, será sempre o donatário de uma cultura evada  de anacronismo, retrógrada, futre e paranóica, destingida de argumentos para o futuro de que é exemplo o desprezo pelos velhos e pelos fracos, a deseducação, a corrupção  financeira, a fuga aos impostos, o branqueamento, desvio e dolo de capitais, os negócios que fomentam a economia paralela, embora se enfatue com a mendicância caritante, se instile com o hedonismo ostensivo, se divirta com a flagelação de animais que eufemiza como cultura tradicional, depaupera a fauna selvagem chamando-lhe desporto cinegético, troca o equilíbrio do campo para aumentar o caos das cidades etc., etc.,  e  o pior de tudo, é que não sabe mas deveria saber que a intervenção do FMI (1977, 1983 e 2013) se fundou na base de uma dívida «odiosa» contraída contra si e contra os outros. Também não sabe, mas deveria saber que você e esses outros têm o direito cívico de pedir uma auditoria às contas públicas. E, finalmente, não sabe, mas deveria saber que poderá, a qualquer momento, usar as prorrogativas de cidadania que esta lhe garante.

Por isso, esta atitude aleivosa que parece não ter um fim, só favorece, não os bandos de chacais fantasma que muitos pensam persegui-los como predadores à solta por aí, mas aqueles que, como refere John Perkins – autor de “Confessions of an Economic Hit Man” –, actuam na sombra da realidade. E o que lhes convém? Que os partidos possuam líderes tíbios e negregados mesmo internamente, primeiro, para causarem a própria entropia daqueles; segundo, que por via dos fatores dessa causalidade, se produza um efeito generalizado de descredibilidade que conduza a grandes abstenções em processos eleitorais a fim de desacreditar a própria democracia. Depois, manipular a opinião pública através de uma influência encapotada nos média e centros de decisão. Todavia, acabar com os regimes vigentes em cada país, não lhes é prioritário. Pelo contrário! Quanto mais se intrometerem neles mais agitação social podem causar e isso não lhes interessa de todo, a não ser que possam tirar disso dividendos como está a acontecer na Ucrânia. O objectivo é que o controlo do capital se concentre cada vez mais nos grandes grupos económicos, para que o seu monopólio se possa espalhar pelo mundo como os tentáculos gigantescos do Kraken mitológico, através do sistema, a que chamamos globalização. Ou então, pela incrementação e instrumentalização de políticas neoliberais autofágicas que se apoiam, por exemplo, na expansão do nuclear, na cultura intensiva dos solos, na substituição de alimentos biológicos por trangénicos, na abolição de leis protetoras de espécies ameaçadas de extinção, na devastação selvática das florestas por incêndios programados, no uso potencialmente lesivo dos combustíveis fósseis ou  na legalização do proxenetismo que apenas serve para dar uma cobertura jurídica ao tráfico e exploração das mulheres.

Esta reflexão surgiu no percurso entre a minha e a eufemisticamente designada residência sénior onde a minha centenária mãe está enclausurada numa cama que passou a ser o seu mundo. Esta é a condição humana no que ela tem de mais terrível e que me fez recordar o título da obra de Cormac McCarthy “Este país não é para velhos”.

Jorge Leitão

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