Estocadas nas “touradas”…

Nunabre
Nunabre

O termo “tourada”, tão cheio de louvores no antanho, tem baloiçado, ultimamente, em vagas contraditórias de aplausos e apupos… “Tradição gloriosa” a preservar e manter — proclamam uns! “Exibição selvagem” a abolir — reclamam outros…!

Não tomando partido, radical ou fundamentalista, por nenhum dos dois contendores, vou fazer algumas considerações acerca do tema sem, no entanto, ousar defender ou condenar quem pensar e sentir diferentemente de mim. Gostos ou escalas-de-valores das pessoas são pertença de cada qual…

Começo por dizer que já gostei e apreciei “touradas”; hoje, porém, confesso que nada sofreria se elas perdessem aficionados, ou se, possivelmente, viessem a ser mais humanizadas…

Estamos perante tradições culturais, arreigadas e apreciadas em algumas regiões do País, e como tais as considero e respeito. Parece-me até uma espécie de “desporto” competitivo entre dois rivais: o Homem (herói-artista) e o Animal-bravio (detentor de força, valentia ousada, naturalmente defensor do seu brio, mormente quando provocado e enraivecido por golpes dolorosos infligidos por outrem…
Que na “tourada”, com ritos, músicas, cerimónias luzidias, há arte, habilidade, risco, coragem, ousadia, emoções, esforço pela vitória, ninguém ousará negá-lo…! Incontestável me parece também haver sofrimento atroz do touro, trazido para ali à força e ali mesmo provocado e ferido pelo Homem… Cada “arpão” cravado no dorso do touro é freneticamente aplaudido com palmas! Mas ninguém ouve aplausos quando o touro, ferido e furioso, causa vítimas, mortais por vezes, em quem o provocou e feriu, sem piedade…
Mas então qual ser o motivo-base forte para os adversários da “Tourada”!? Parece-me — não sei se estarei certo — : condenam o prazer sádico do Homem, querendo ser herói e dominador, ainda que ou sobretudo à custa do sofrimento provocado no contendor da refrega… O divertimento sádico à custa do sofrimento alheio…
Sim, eu sei que existem actividades de “caça”, “pesca”, “tiro aos pombos” (hoje substituídos por pratos), que também provocam sofrimento nos animais pacíficos; mas, assim como nos matadouros, os objectivos justificativos, bem como as circunstâncias, apresentam valores diferentes… Lembro, com saudade, o exemplo de minha mãe, que criava bacorinhos para vender, reservando um, para crescimento em casa e mais tarde ser abatido, enquanto eu, recolhido ao leito, para não assistir, ouvia as queixas do “moribundo”, e minha mãe chorava, de emoção…!

Em resumo: não será possível haver “tourada” sem derramamento doloroso de sangue, provocado pelo Homem — artista…!? Talvez, e sem retirar brilho à Arte… Cavaleiro, cavalo, toureiro a pé, podem jogar à porfia com o touro, sem espetar “farpões”, ou quando muito, fazer apenas o gesto mudo, a dizer: só não te farpeio, porque não quero… É que os “forcados” ou pegadores mostram exuberantemente arte, coragem, habilidade, força, valentia, e não ferem o touro… Vencem-no humanamente, civilizadamente, recebendo, por isso mesmo, calorosas e merecidas palmas de aplauso…!

Pelo contrário, o toureio dos “farpões”, embora conquistando ovações, reclama estas também, quando o touro, enfurecido pelo agressor, faz neste represálias, por vezes, mortais…
Numa palavra: não atiro pedras nem a “toureiros” nem aos legítimos “aficionados”. Limito-me a dizer do que não gosto, sem me escravizar a toda e qualquer “tradição ou cultura” sempre variáveis nas evoluções civilizacionais…

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