Idiotices

A. Lobo de Carvalho
A. Lobo de Carvalho

Não passam de lógicas idiotas as que levaram os deputados do Partido Chega a protestar, da forma como o fizeram, contra a presença e o discurso do Presidente do Brasil, na Assembleia da República (AR), aquando da sua recente visita a Portugal. Fazendo tábua rasa da ética política e parlamentar, o partido em questão acabou por se colocar numa posição de forte intolerância, fazendo jus, aliás, às ideias extremistas que defende. E a verdade é que deu uma imagem distorcida do país e do seu parlamento, que não corresponde à realidade, sendo de sublinhar, no entanto, que os factos ficam com quem os pratica. 

Como se isso não bastasse, já, para ficarmos comprometidos perante o povo brasileiro e o mundo lusófono, tinha o senhor presidente da AR de vir colocar mais lenha na fogueira, deixando saltar a tampa da panela fervente do seu descontentamento, com aquilo a que chamou de “ralhete” dirigido aos deputados do Chega, nos termos em que o fez, isto quando decorria uma cerimónia ao mais alto nível do Estado. Tal atitude até parece anedótica e mostra-nos a incapacidade que certas pessoas apresentam para o exercício de altos cargos políticos, designadamente incorporando ou representando órgãos de soberania, onde só devem servir cidadãos que, entre outras qualidades e capacidades, têm de saber lidar com o stress. Ainda se tivesse feito o “ralhete” em termos moderados, controlando as suas pulsões e a subida da adrenalina, os reflexos decorrentes poderiam ter ficado mais suavizados. Mas não foi assim e todos viram o sentimento de raiva na expressão facial, no tom de voz e nas palavras que proferiu, ficando bem explícito que não sabe lidar com a intolerância. Ora o cargo que desempenha, e que o projectou para segunda figura do Estado, não precisa de pessoas que fervam em pouca água, mas de alguém com autodomínio perante circunstâncias adversas inesperadas e que saiba controlar as emoções. 

Por outro lado, os deputados contestatários, pela atitude de profundo desrespeito e desconsideração que assumiram perante o Presidente do Brasil e o país, até mereciam ser expulsos da AR, porque exibiram uma arrogância e uma má educação que não se coadunam com as funções que desempenham, na qualidade de representantes de uma franja do eleitorado nacional, nem, certamente, com o pensamento dos cidadãos que neles votaram. Desconheço se o Regimento da AR prevê a figura da expulsão, mas que era o que mereciam, lá isso era. Em termos práticos e com esta postura, os ganhos políticos do Chega resumiram-se a serem tratados, na AR, como um bando de adolescentes de uma qualquer turma rasca dominados pela testosterona. 

O senhor Presidente da AR, como tem sido visível noutras alturas, quer na qualidade de deputado, quer na de ministro, facilmente ultrapassa os limites da tolerância perante factos que o incomodam. É da sua autoria a frase “quem se mete com o PS leva” e isso já define, claramente, um deficit de autocontrolo que acaba por comprometê-lo. É que para o exercício de altas funções de soberania do Estado, e não só, as emoções devem sempre ficar fora da porta, devendo pontificar a lucidez e o bom-senso, coisa que, com todo o respeito, não me parece ter existido no episódio descrito. Assim, e quando é público que poderá vir a ser o candidato pelo PS à presidência da República, é garantido que não terá o meu voto, não porque não o respeite, mas simplesmente porque não vejo na sua pessoa o perfil de líder e de estadista de que o nosso país precisa, neste mundo cada vez mais conturbado.

O país político necessita de serenidade e de liderança, ante um ambiente que tem vindo a deteriorar-se cada vez mais, tantos são os episódios que põem a descoberto as fragilidades dos governantes, alguns mesmo incapazes de gerirem os seus ministérios com autoridade e mão firme. O caso do Ministério das Infra-Estruturas é, até à data em que escrevo estas linhas, o último acontecimento grave conhecido, misturando o Serviço de Informações de Segurança (SIS), PJ e PSP em circunstâncias rocambolescas. Trazer o SIS para esta equação foi completamente descabido e mostra bem a ignorância e a incompetência que grassa no meio governamental, pois aquele Serviço segue procedimentos muito próprios para o cumprimento da sua missão no âmbito da segurança do Estado. O Ministro João Galamba mostrou não possuir maturidade para a função que ainda exerce, e isso ficou bem explícito no presente caso, pelo que não lhe auguro grande futuro. Veremos o que se segue, mas este caso TAP tem sido uma máquina trituradora do governo e acredito que não ficará por aqui. 

Contrariando o seu período de vigência para quatro anos, com uma maioria absoluta, o governo já não possui pulmões, apresenta-se cansado e desorientado, e estou certo que acabará por sucumbir perante as idiotices de alguns dos seus membros, que, sem preparação e experiência, se deixaram deslumbrar pela importância dos cargos, gerando problemas e não mais-valias. A menos que o Primeiro-Ministro mostre a sua autoridade, exonerando os incompetentes e trazendo para o governo personalidades da sociedade civil com traquejo (o PS já pouco ou nada tem para dar), o estado anímico do país reclamará uma nova consulta popular.

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