Irracionalidade política

A. Lobo de Carvalho
A. Lobo de Carvalho

Cada dia que passa, mais se acentua a irracionalidade da União Europeia e de uns quantos outros Estados, cujos governos e parlamentos continuam a alimentar as chamas do conflito armado que tem lugar no coração do território europeu. Na verdade, não se compreende como estes órgãos de poder que, supostamente, deveriam ser constituídos pelos cérebros mais brilhantes, se permitem ser tão permeáveis a estados de alma, não agindo com a requerida lucidez, mas antes por impulso, para não dizer por vingança.

De forma angelical dizem querer a paz, mas o facto é que mais não fazem do que alimentar a guerra por palavras e ações, sendo de sublinhar a oferta e o transporte de armamento do mais sofisticado que existe em favor da Ucrânia. Desprezam a diplomacia e o diálogo entre os conflituantes, como mandaria o bom-senso, mas apostam nas sanções contra a Federação Russa como se isso fosse a solução do problema. Não consideram uma possível reação de consequências incomensuráveis para a humanidade, dando a entender que isso não passa de retórica barata por parte do governo russo.

Reafirmo que não defendo a Federação Russa pela sua “operação militar especial” contra a Ucrânia, longe disso, mas não deixo de fazer um paralelo com outras situações ocorridas. Quando a China exigiu à Inglaterra e a Portugal que lhe fossem entregues os territórios de Hong Kong e Macau, os respetivos governos limitaram-se a obedecer, porque não tinham força para enfrentar militarmente aquele imenso país, contentando-se com um estatuto administrativo especial durante uns anos. E ninguém tossiu nem mugiu! Da mesma forma, quando os norte-americanos invadiram o Iraque e praticamente o destruíram, com base numa monumental mentira difundida por todo o mundo, também não houve oposição, porque o que lhes interessava era o petróleo. Na Líbia, aconteceu o mesmo e ninguém se opôs aos franceses e outros. Atá o presidente francês da época, Sarkozy, se vangloriou por a França ser o primeiro país a lançar ataques aéreos.

No caso em concreto, e quando a Federação Russa procura reencontrar-se com a sua história, não existindo do lado do seu opositor qualquer espécie de compreensão e cedência para evitar o conflito armado, preferindo a destruição e a perda de vidas humanas, tenta-se asfixiar aquele país e o seu povo. Ajudar a Ucrânia não é alimentando-a com armas! Ajudar a Ucrânia é juntar esforços e seriedade para que os responsáveis políticos dialoguem e se entendam e haja, até, alguma cedência territorial em nome de um bem maior, que é a vida e dignidade daquele povo sofredor! É nisto que deve incidir o máximo empenhamento dos Estados e não contribuírem para o chorudo negócio do armamento, enchendo os cofres de norte-americanos e ingleses.

Vêem-se nas televisões corpos mutilados e outras situações chocantes, que nada justifica, e que deixam o mundo estupefacto! São imagens terríveis, sem dúvida, mas não são únicas! Se nos lembrarmos, como eu me lembro, das mortes à catanada de população branca, em Angola, em 1961, deixando os corpos retalhados e desmembrados à mercê dos animais selvagens, não se viu uma condenação dessas práticas, nem a solidariedade com os portugueses. Antes se assistiu ao apoio de certos governos aos grupos terroristas, nos palcos mundiais, assim como ao bater de palmas por desertores e opositores internos ao regime.  Mais recentemente, o que os norte-americanos, ingleses, franceses e outros fizeram na Líbia,  no Iraque e na Síria, não foi melhor, e também ninguém anatemizou aos países invasores, apesar de se vivenciaram situações de autêntica selvajaria.

Neste conflito, os países da União Europeia e outros – com Portugal muito ativo e audaz nas penalizações à Federação Russa – têm dado todo o palco ao presidente da Ucrânia, com os parlamentos a baterem palmas. Claro que é compreensível a posição do sr. Zelensky, em desespero, mas penso que não se lhe deve fazer todas as vontades, porque é perigoso ultrapassar determinados limites. O Parlamento nacional não existe para isso e, sobretudo, porque encerra uma atitude que não conduz à paz, mas antes manifesta uma forte hostilidade à Federação Russa, contribuindo para exacerbar ainda mais os ódios já existentes. Repare-se que o sr. Zelensky não pede a paz, mas, apenas e só, armas e mais armas, o máximo de sanções para o seu opositor e, ainda, a intervenção da OTAN, mesmo sabendo que isso aproxima a Europa e até o planeta do abismo nuclear! Como é possível que os líderes e os políticos deste Ocidente decadente e ateu padeçam de tanta cegueira e não atendam às previsíveis consequências?  Onde está a racionalidade desta gente que nos governa?

É que as sanções cada vez mais implacáveis contra a Federação Russa, funcionando como um garrote para votá-la ao isolamento total e asfixiar a sua economia, poderão atingir um ponto de não retorno, em que a única saída poderá ser uma resposta na mesma proporção dos efeitos com que foi atingida e que, num admissível estado de desespero, se poderá traduzir pelo recurso ao poder NBQ (nuclear, biológico e químico) e, desse modo, enfrentarmos uma guerra mundial em que pouco ou nada sobreviverá.

Talvez só nessa altura os líderes e os governos que contribuem para alimentar este conflito armado, e que são muitos, se apercebam do erro em que caíram, mas, nessa altura, será tarde demais para corrigirem a sua irracionalidade. Como referia Hipócrates, o tempo é aquilo em que há oportunidade, e a oportunidade é aquilo em que há tempo…mas não muito! E eu acrescentaria que o aproveitem enquanto é possível.

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