“Não hei-de morrer sem saber qual a cor da liberdade”
Jorge de Sena
Adolescente que era em abril de 1974, fui percebendo, nos anos que se seguiram, e até hoje, qual a cor da liberdade.
Ao contrário de outros valores da democracia, a liberdade é algo de imaterial, complexa na sua abrangência e no modo como cada um a sente, a reclama e a pratica, dentro da sua conceção de cidadania.
Assim, a liberdade é, no dizer de Hannah Arendt, o sentido da política. Isto porque o sistema democrático assenta essencialmente nesse pilar, que ramificado na sociedade, constitui a seiva, o sangue de todo este complexo sistema que é a nossa vida coletiva.
Eduardo Lourenço, da forma simples que o caracteriza, refere que “a liberdade é a forma normal de respirarmos. Quando se respira normalmente, o problema da respiração não se coloca.”
Se nos imaginarmos como átomos, veremos que temos em nós sensores que a todo o momento nos fornecem dados sobre a interação com os outros e de como todo o nosso comportamento interfere com a nossa liberdade e com a dos que nos rodeiam. Imbuídos da nossa liberdade como atributo essencial, transmitimo-la ao todo através do nosso comportamento, em contexto social.
Entendo liberdade e ética como valores complementares.
Temos também de ser cuidadosos com a liberdade que muitas vezes nos querem oferecer, porque a liberdade não é algo que possa ser concedido, está dentro de nós, é intrinsecamente parte do que somos.
A democracia confere-nos pois, a responsabilidade de cultivar e preservar a liberdade, como guardiões de um fogo que não podemos deixar apagar.
Todos os sistemas não democráticos começam justamente pelo cerceamento da liberdade. Eles querem fazer-nos crer que ela não é assim tão importante e que pode ser trocada por outras mercadorias.
Também fazem uma distinção entre os cidadãos de bem e os outros. Esta terminologia está muito em voga, atualmente, nos projetos totalitários europeus. Os “cidadãos de bem”, são, no fundo, aqueles que podem impor as suas ideias aos restantes, estratificando assim os seres humanos em superiores e inferiores. Os que merecem e os que não merecem. Os que têm valor e os outros.
Nelson Mandela retratou muito bem esta ideia num dos seus escritos: “um homem que tira a liberdade de outro homem está prisioneiro do ódio, está fechado atrás das grades do preconceito e da estreiteza de vistas. Tanto o oprimido quanto o opressor são espoliados da sua humanidade.”
Toda a tentativa de discriminação é, em si, uma limitação da liberdade de outros. Só uma sociedade plural e livre dará resposta aos que, nos seus múltiplos interesses e direitos, nas suas miríades de diferenças, procuram o seu lugar, o seu bem-estar, a sua afirmação, o seu caminho de felicidade.
Portugal está fazendo o seu percurso. Há quase cinquenta anos fomos surpreendidos pelas diferenças entre um poder totalitário e um poder democrático. A liberdade de expressão, de reunião, de manifestação, de pensamento, imprimiram um trajeto que não para de me surpreender a cada dia que passa.
Alguns, sensíveis aos discursos de ódio e discriminação contra grupos ou pessoas, não entenderam ainda que serão eles próprios atingidos, mais tarde ou mais cedo, pelos efeitos destruidores dessas ideologias.
O dia 25 de abril, daqui a algumas décadas, não será mais do que uma data que figurará nos livros de história como o dia da instauração da liberdade e da democracia. Para quem o viveu, como eu, será sempre um momento inesquecível que me devolveu algo que estava amordaçado, e que são valores universais da humanidade.
Tenho vindo a saborear a sorte de viver a maior parte da minha vida em democracia e liberdade, e vou lutar para assim continuar.
José Carlos Barbosa
(sociólogo)