Memórias de vida (3)

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Terminei o meu segundo artigo fazendo uma abordagem sobre o trabalho de tradutor e interprete na Caixa de Previdência “Securité Sociale”, em Orleães, durante seis anos. Dando-lhe continuidade, começarei por dizer que saltei de operário a “burocrata”, sabendo aproveitar as oportunidades que iam surgindo. Depois, para além da língua portuguesa e francesa, também me predispus a estudar o italiano, aqui surgindo a oportunidade para conhecer um dos meus professores desta linda língua, o Senhor Bacci, que conhecia bem um dos administradores da Caixa, o Senhor Dupuis, que infelizmente faleceu com a idade de 49 anos. Um amor de pessoa. O Senhor Dupuis gostou da minha história de vida e, particularmente, da minha vinda para França, para evitar a guerra em Angola. Daí que tivesse convencido o Diretor da Caixa de Previdência a dar-me trabalho, tendo em conta a minha formação escolar adquirida em Portugal. Foi assim que entrei como tradutor e interprete; Orléães contava nessa altura com cerca de 15.000 portugueses. O Senhor Bacci, que frequentava igualmente um lar de jovens trabalhadores, “Les Acacias”, onde vivi durante dois anos, e cujo diretor, Roger Golf, sendo exigente, estava socialmente perto da juventude sofredora. Neste lar, eu fui presidente do Conselho da juventude. E é a este Homem que devo os meus primeiros passos na Faculdade de Direito em Orleães. 

Um dia, sem que eu soubesse, o Senhor “Golf” deslocou-se à Escola de Direito, em Orleães, para me inscrever como aluno, com aceitação, dada a equivalência que tinha com aquele estabelecimento de ensino o meu diploma do 6.° ano, obtido na minha tão querida Escola Comercial e Industrial de Viana do Castelo. O curso tinha a duração de dois anos, permitindo-me trabalhar de dia e frequentar as aulas à noite, das 20 às 22 horas, com exame no fim do ano, com obrigatoriedade de passagem para o ano seguinte. Bem me lembro das dificuldades com que deparei nessa altura, dado que ainda não tinha assimilado de todo a língua francesa, particularmente no domínio da terminologia jurídica. No anfiteatro éramos 200 estudantes de todas as idades. Como por vezes não compreendia o professor, era obrigado a levantar a mão, solicitando-lhe a repetição da matéria, fazendo-o ele de boa vontade, mas contra a vontade de uma grande parte dos colegas presentes. O que é certo é que eu passei para o segundo ano com média de 11, nota suficiente para me dar coragem para frequentar o segundo ano com esperança no futuro.

O curso iniciou-se com 400 estudantes, mas no 2.º ano éramos apenas 100. Passaram aqueles que estudavam com aplicação e interesse na aprendizagem, o que não era fácil, dado que se tratava de ensino pós-laboral. Esta maneira de estudar não era para mim estranha, pelo facto de ter feito o meu Curso Comercial ao longo de seis penosos anos. O ensino noturno exige disciplina, coragem e muita vontade de obter sucesso. O 2.° ano foi difícil, mas importante para mim. Tinha um professor, de nome “Albou”, Magistrado e Professor de Processo Civil, que um dia, no fim da aula, depois de um teste de prática, no qual obtive um interessante 14, considerado uma boa nota, me chamou para me dizer que, se eu continuasse assim, o exame final estava ao meu alcance, podendo mesmo aceder à Faculdade para obter a Licenciatura. Devo igualmente gratidão a Serge Bodard, professor de Direito Administrativo, que também sempre acreditou em mim. 

Neste segundo ano a preocupação essencial não era apenas terminar bem. Efetivamente, para entrar na faculdade sem exame prévio, tinha que obter de média, nos 2 anos, a nota 14. Como no 1.° ano tinha obtido 11 de média, no segundo teria obrigatoriamente que conseguir 18 valores, a condição da felicidade! No dia do exame oral, os professores das diversas disciplinas davam a escolher a questão através da tiragem do papel onde a mesma está escrita, um género de rifa, mas bem escondida! um sistema que eu não conhecia. Foi o direito penal que me salvou. Foi nesta disciplina que eu obtive a nota máxima. Nas outras disciplinas, Direito administrativo, Processo civil etc.  também me portei bem! Feliz por ter obtido os 14 valores necessários para entrar na Faculdade; senti-me ainda com mais coragem para preparar a Licenciatura, com a duração de 4 anos. No próximo artigo (o nº 4), vai saber, prezado leitor, como me correram esses 4 anos de estudos universitários.  

Carlos Reis

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