Memórias de vida

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No meu 3.° artigo, dei a conhecer a minha entrada na Universidade de Orleães, para iniciar o meu 1.° ano de direito na faculdade. Tive, então, que escolher qual era, na multiplicidade dos “Direitos”, a área a escolher para me licenciar. Nessa altura, não possuía a nacionalidade Francesa e, por essa razão, desconhecia o que poderia exercer uma vez formado, se eventualmente lá chegasse; mas eu já pensava na variante do direito antigo, que, aliás, ainda está em vigor. “Res judicata pro veriate Habetur”, na nossa linguagem de todos os dias “A coisa julgada deve ser tida por verdade”, o que por vezes o “povo” contesta, da minha experiência da justiça, sem razão.

Esta situação levou-me a escolher uma licenciatura mista, com uma parte de direito publico, para hipótese de ingressar na Administração, pensando que, quando chegasse ao fim dos estudos, já teria obtido a nacionalidade francesa; uma suposição, já que, como é do conhecimento geral, esta possibilidade estaria muito ligada à obtenção da licenciatura que, como darei a conhecer, tudo foi bem difícil. Apresentei-me e, logo no primeiro dia, sem surpresas, constatei que já era suficientemente maduro, comparado a outros estudantes, eles com uma média de 18 anos e eu com 27. Um anfiteatro cheio como “um ovo de galinha ”, 400 estudantes e, entre eles, um “intruso,” um português; mas um intruso que tinha direito a ser admitido, já que preenchia as obrigações de acesso à faculdade pelo diploma obtido de solicitador.

Como trabalhava, não podia frequentar regularmente as aulas, já que beneficiava do estatuto de estudante assalariado, sendo única obrigação assistir e participar nos estudos dirigidos, que tinham lugar uma vez por semana, ao sábado. Neste enquadramento, tive que me organizar, procurando encontrar algum colega que me fornecesse cópias da matéria dada em cada aula. E a sorte não me abandonou, já que três jovens, hoje aposentados, com quem estabeleci uma sólida amizade, “ Três grandes cabeças”, Jean-Michel Pilate, que foi um grande Jurista da EDF-GDF (Gaz e Eletricidade de França), Patrick Toutin, que foi o Diretor do Gabinete do Prefeito do Loiret – o mesmo, mais tarde, entregou a Medalha do Mérito Agrícola a Anne-Marie, minha esposa, e ex-professora de economia, uma distinção pelos longos anos de professorado –   e Jean Louis Meunier, que mais tarde se tornou advogado, cujo país de origem era a Ucrânia. Se tive dificuldades para encontrar alguém que aceitasse partilhar comigo o conteúdo nas aulas, o outro problema era o de me deslocar à faculdade a 15 km do meu domicílio, resolvido em parte pela minha esposa, e uma outra parte pelos jovens estudantes acima citados que me vinham buscar a casa.

Estudar o direito em França, que grande ambição, uma velha aspiração! Ajudado pelos jovens colegas e particularmente pela Anne Marie, que nessa altura dava aulas num liceu, onde também ensinava os rudimentos jurídicos aos seus alunos, consegui, pouco a pouco, adaptar-me ao mundo estudantil, excessivamente barulhento.

Certo é que nunca desisti, pensando sempre que o que aprendi na minha Escola Comercial em Viana para algo haveria de servir um dia. Nesta altura, não existiam dezenas de estudantes portugueses nas faculdades Francesas. Em Orleães eu era o único. Aliás, como na política! Mas disso falaremos noutros artigos. Eu tinha um professor de Direito Comercial, o professor Joel Moneger, que mais tarde foi o Diretor da faculdade, que, ao corrigir os meus pontos, me dizia que tinha que arranjar um tradutor de português, porque, quando eu não sabia ou não conhecia a palavra em francês, escrevia em português. Um bom professor, compreensivo e, mais tarde, um bom amigo. Grato fico também à sua esposa, que era a minha professora de Direito Civil, Françoise Moneger, que veio a integrar o Supremo Tribunal em Paris. 

Chegados os meses de junho/julho, a angústia e o medo surgiram, com os exames do 1.° ano de faculdade. Alegria, passei para o segundo ano! Um grande acontecimento!

E no 5.° artigo se dará continuidade.

Carlos Reis

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