Meninos, toca a lavar as mãos!

manuel ribeiro
manuel ribeiro

No meu tempo de criança (anos 40 e parte da década de 50), a doença fatídica dava pelo nome de “tuberculose” ou, noutra linguagem, “doença dos pulmões” ou “tísica”, havendo outros nomes mais técnicos, tais como “pneumonia” e “pleurisia”.

Era uma doença infetocontagiosa e, naqueles tempos, os hospitais eram mais lugares de morte do que de vida. Os hospícios das Misericórdias eram sítios escuros e frios, onde sobressaía a temível morgue. Em boa parte, funcionavam com dádivas e, como o dinheiro dos benfeitores não era bastante, havia um local no exterior do austero e pesado edifício (em Braga) onde estava colocada a caixa de esmolas e, maravilha das maravilhas, um buraco com um tubo de lata por onde se recolhiam os ovos, um a um. Esta maravilha, para mim, resumia-se ao facto de o ovo rolar pelo tubo e do lado de lá não se ouvir o som do inevitável choque em superfície sólida. Perguntei, então, à minha mãe o que acontecia para os ovos não se esborracharem. O sistema era astuciosamente simples: os ovos caíam, do lado de dentro, numa grande tina com água pela metade…

No meu tempo de criança, havia o “arroz do hospital”, branco, empapado e desenxabido. A bebida única era água, de modo que o doente, ao morrer, nem um gostinho levava da vida. A outra parte da comida era levada aos doentes pelas famílias ou amigos. É que, naqueles tempos, do fim da II Grande Guerra, a escassez de bens de primeira necessidade era uma triste realidade. Guerra, peste, fome e, claro, a morte!

No meu tempo de criança, dizia, repetidamente, a nossa mãe: “Meninos, lavem bem as mãos com sabão”. E essa advertência foi herdada pelos netos, que não deixavam escapar, com um sorriso amarotado, um “lá está a avó sempre a dizer para lavar as mãos”. Na verdade, esses avisos com frequência e com firmeza, tinham umas notas de obsessão. De onde viria essa insistência, quase maníaca, de minha mãe? Poderei ter descoberto, agora, a razão.
A minha mãe, nascida em 1913, tinha feito, no ano em que começou a pneumónica (janeiro de 1918) cerca de cinco anos, aos quais se juntariam dois anos de duração da peçonha, até 1920, ano do fim da pandemia, e muitos mais anos seguintes de fundado pavor. Muito provavelmente, a minha mãe também ouviu, anos a fio, essa advertência dada pelos adultos e jamais a esqueceu. A pneumónica (relativo a pneuma, sopro ou pulmão) também era conhecida por “espanhola” (na realidade, passou pelo país fronteiro, mas a sua origem, como habitualmente, nasceu na Ásia e provavelmente na China).

Os historiadores apontam a cifra de 500 milhões de mortos, a nível mundial, que equivaliam a um quarto da população global (que era de dois biliões ou dois mil milhões). Foi uma enorme mortandade, não só em números absolutos, mas percentualmente. Se os historiadores e os estatísticos estão certos, e acontecendo que, atualmente (abril de 2020), somos sete biliões e 800 milhões a nível mundial, transpondo a mesma percentagem para os dias de hoje, a mortandade da “Covid 19” seria de 1,9 biliões de pessoas: a calamidade das calamidades de toda a história humana!

Com fé nas ciências humanas ou no Poder de Deus ou em ambas as coisas, acreditamos que o novo coronavírus não vai demorar tanto tempo quanto os casos históricos narrados neste jornal (por mim e outros colaboradores), a saber: a peste negra (século XIII), a febre espanhola (princípios do século XX) e a tuberculose (grande parte do século XX, até à descoberta da penicilina, pelo médico escocês Alexandre Fleming, em 1928, e o seu uso massivo a partir dos anos 40). Fiquem bem!

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