“Não ao Lítio”

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A 21 de setembro passado, em Lisboa, numerosos residentes das Argas e de outros locais do Alto Minho subiram do Rossio ao Chiado acompanhados por quatro a cinco centenas de manifestantes vindos de Trás-os-Montes e das Beiras. E todos demonstraram o seu descontentamento relativamente aos planos de mineração a céu aberto congeminados e divulgados urbi et orbi via internet. Um cenário aterrador implicando a abertura de enormes crateras, anos a fio de explosões, uma movimentação incessante de veículos pesados e a formação de colossais e inestéticas escombreiras.

Populações horrorizadas ainda com a inevitável e letal absorção de poeiras tóxicas e a contaminação dos campos e aquíferos pelas escorrências de ingentes quantidades de água e de ácido sulfúrico indispensáveis às operações extractivas. E a culminar tão mirífica cornucópia de benefícios, a verem desabar o seu mundo e esboroar-se o valor das suas moradias e propriedades. Muitos acabando por abandonar o húmus nativo e a procurar refúgio no litoral. E daí a agigantar-se a muralha urbana que vai crescendo pela orla costeira e a dilatar-se a taxa de despovoamento do interior e a respectiva desertificação.  Adeus, pois, encostas verdejantes, soutos, pinhais e bosques de medronheiros, riachos e açudes, habitats serranos e campestres, rústicas sociabilidades e mundividências. Uma catastrófica e irreversível devastação. Em particular neste ridente Alto Minho outrora imaginado como o mítico e recôndito paraíso terrestre.

Eis, pois, o que decorre de políticas obsoletamente produtivistas desenhadas a favor das mais predadoras empresas de mineração do planeta. Empresas que não apenas se candidatam à extração do lítio, como, em paralelo, ou dissimuladamente, têm em vista a pesquisa de metais preciosos e a montagem de sofisticados jogos financeiros de tipo especulativo. Como a rápida migração para outras paragens logo que o evoluir dos preços dessas matérias se venham a depreciar. Tudo quando, perante o crescendo de sinais que configuram uma iminente alteração do regime climático e o mundo parece, por fim, convencido da urgência em repensar os modelos vigentes de produção e consumo -, vemos assim o nosso país a enveredar por uma economia extractivista a pretexto de fantasistas e estratosféricas taxas de crescimento. E tudo à revelia das populações e, ao jeito colonialista, sem as informar e menos ainda consultar, à socapa do paradigma ético intrínseco a um qualquer regime que se defina como democrático. A troco de vantagens financeiras e sem atender a um descomunal passivo ecológico, foi-nos, pois, anunciado e começa a avançar no terreno um inaudito projecto de vandalização do nosso espaço de vida e memória ancestral. Da nossa alma territorial e paisagística. Um país, por conseguinte, redutora e maquiavelicamente convertido num mapa de jazidas minerais e sujeito a um expedito despotismo industrialista.

Luís Guerreiro

Presidente da Assembleia Geral da associação ambientalista COREMA, porta-voz do Movimento de Defesa do Ambiente e do Património do Alto Minho.

Nota – Este escrito reproduz parte substancial da intervenção do autor no Largo de Camões, em Lisboa, no final da mencionada manifestação.

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