Notas à volta da origem da língua portuguesa

António Pimenta de Castro
António Pimenta de Castro

As línguas dos povos mudam ao longo dos tempos. Como muito bem escreveu Esperança Caldeira: “Envelhecer, no caso da língua, não conduz à morte mas à mudança. (…) as dificuldades que encontramos na leitura dos textos medievais revelam-nos como o Português Antigo era diferente do que ouvimos, falamos e escrevemos atualmente. (…) a verdade é que se o Português não tivesse sofrido mudanças ainda falaríamos como D. Afonso Henriques 1”. Mas neste artigo vamo-nos debruçar, sobretudo sobre o contributo do Latim nas línguas que aqui se falavam. Seguindo o raciocínio da citada autora: “Porque muda a língua? A resposta a esta questão deve procurar-se nas características do próprio sistema linguístico: um sistema aberto, sempre em elaboração2”, ou seja a mudança justifica-se pela necessidade de comunicação. Tão simples quanto isto. Todas as línguas Ibéricas, (à exceção da língua dos Bascos), derivam do Latim, ou seja, a origem do português, portanto, remonta ao Latim (por isso o Português é uma língua latina). Os romanos fizeram a romanização, desde muito cedo, teremos que remontar até ao tempo da Segunda Guerra Púnica, 218 a. C., data em que eles vieram para a Península Ibérica e só a conquistam completamente, cerca de quatrocentos anos depois. Nessa altura, os Romanos encontraram uma Península bastante dividida e habitada por tribos e povos de diversas origens. Ainda seguindo a citada autora; “o Império Romano divide-a em províncias: inicialmente, em Hispânia Ulterior (Sudoeste) e Citerior (Nordeste). No ano 27 a. C., Augusto divide a Ulterior em Lusitânia e Bética; em 216 d. C., na época do Imperador Caracala, o Noroeste ganha estatuto de província autónoma, com o nome de Galécia3”. A sua ocupação traduz-se sobretudo em administração e colonização. Muitos veteranos, terminada a sua participação no exército, fixam-se cá e tornam-se grandes proprietários e muitos outros romanos, de todas as classes sociais, aqui se fixam tendo “imposto” a sua cultura, como: cidades, escolas, mercados e vias de comunicação (as chamadas vias romanas). Também foi adoptado o direito romano, bem como o Latim, que era a sua língua e outros aspetos da sua cultura. É no Latim Vulgar, (falado pela maioria das pessoas), que têm origem as línguas românicas, para além do Latim Literário (esse falado pelas elites romanas). O latim vulgar, é um latim muito diferente do latim que encontramos na Literatura. Sabemos que muitas palavras, ainda hoje usadas pelo “povo”, daí derivam e, por exemplo, muitas obscenidades que ainda hoje usamos tem aí a sua origem… A influência da cultura romana impôs-se às culturas das populações Ibéricas vencidas (à exceção dos Bascos), como é natural, mas a romanização não se deu igualmente em toda a Península, citemos mais uma vez a referida escritora; “O movimento da romanização (deu-se), de sul para norte, avançando mais rapidamente em regiões que encontra menor resistência, proporciona uma diferenciada aceitação da língua: mais intensa nas cidades do que no campo, mais débil e tardia a norte do Douro que a sul do Tejo, a romanização implanta uma língua que não é homogénea e que é adoptada por populações diversas, a um ritmo irregular, com diferente intensidade e em momentos distintos4”. Mas, como se disse: a Península Ibérica era bastante fraccionada, habitada por muitas tribos de origens muito diversas, o que vai explicar, certas diferenças, uma vez que à variedade étnica, correspondia igualmente uma variedade linguística. No século V a Península Ibérica é invadida pelos ditos “bárbaros”, entre eles os germanos, criando estes o Reino Suevo e o Reino Visigodo. Os Suevos, que tinham a capital em Braga, ocuparam a Galécia por mais de um século, mas foi posteriormente integrada no Reino Visigótico. Aos Suevos, e como Alto-Minhoto gostei de saber, que devemos o vocábulo broa, e aos Visigodos os vocábulos, entre outros: ganço; luva e íngreme. Mas, como o artigo já vai longo, rapidamente vamos falar dos árabes que invadiram a Península em 711 e que também tiveram uma grande influência na linguagem, sobretudo a Sul do rio Mondego, mas não só…Para terem uma ideia desta influência, basta dizer que tenho um livro, chamado “Dicionário de ARABISMOS da Língua Portuguesa5”, da autoria de Adalberto Alves, que tem cerca de 961 páginas, e outro chamado “Vestígios da Língua Arábica em Portugal6”, da autoria de Fr. João de Sousa (com Prefácio de A. Farinha de Carvalho), que tem também, muitas palavras que usamos bastante. Do domínio árabe, não resultou uma “arabização” total da Península, esta foi mais vigorosa a Sul, sendo os moçárabes7  o seu principal veículo de transmissão, contudo, há uma forte presença da língua árabe, sobretudo na toponímia. Em Trás-os-Montes, usa-se uma palavra que eu nunca tinha ouvido, que é “Alpechim”, que ainda é usada e que é tipicamente árabe e quer dizer: suco negro, amargo e de cheiro desagradável das azeitonas espremidas, borra de azeite (é a água suja que sai dos lagares de azeite). Para além destas palavras há outras palavras de origem árabe, que ainda hoje se usam como: Alpendre; alfândega; alcova; aldraba; alicerce; a argola; o tabique, o alicate; o andaime; alfaiate; alcatifa; alfinete; almofariz, etc. Na agricultura: azenha; algodão e alfazema. Frutos como: alfarroba; azeite; romã; tâmara; tremoço etc. Peso e medidas: alqueire; almude; arrátel; arroba; maquia; quintal, etc. Nos alimentos: acepipe; açorda; açúcar; aletria; almôndega; arroz; regueifa etc. Instrumentos de Música: adufe; alaúde; rabeca, tambor, etc. Como escreveu A. Farinha de Carvalho:” Outros exemplos poderíamos citar, mas deixamos ao leitor a curiosidade não apenas de os consultar pela ordem em que se encontram, mas sobretudo conhecer o significado que lhe é atribuído por Frei João de Sousa8”. Para acabar este artigo, direi, oxalá9 que tenha gostado de o ler.

 

 

 

Notas de rodapé

1 – Cardeira, Esperança. O Essencial sobre a História do Português, página 13 e 15.

2  – Idem, página 14.

3  –  Idem, Ibidem, página 19.

4 – Idem, Ibidem, página 25.

5 – Alves, Adalberto, “ Dicionário de Arabismos da Língua Portuguesa”, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 2013.

6 – Sousa, Fr. João de, “Vestígios da Língua Arábica em Portugal”, Gráfica MAIADOURO, 1981.

7 – “«arabizado»; cristãos arabizados que viviam sob a soberania muçulmana; dialeto falado por moçárabes”, no Livro “Dicionário de Arabismos da Língua Portuguesa”, de Adalberto Alves, página 650, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Lisboa, 2013. Ainda hoje há em Lisboa o bairro da “Mouraria”.

8 – No Prefácio do livro “Vestígios da Língua Arábica em Portugal”, de A. Farinha de Carvalho, página 1.28 e 1.29.

9 – “A interjeição oxalá, tão frequente na nossa linguagem quotidiana, é um arabismo (w asa Lla “Queira Deus”. Página 32, obra citada de Esperança Cardeira.

 

BIBLIOGRAFIA:

Cardeira, Esperança, O Essencial Sobre a História do Português, Editorial Caminho, SA, Lisboa, 2006.

Alves, Adalberto, “Dicionário de Arabismos da Língua Portuguesa”, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, S.A, Lisboa, 2013.

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