Notas de Cena

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Sempre que morre uma pessoa famosa pela qual temos admiração, perdemos um pouco da esperança que temos em nós, na vida e nos outros.

Porque é também para isso, para termos esperança, que necessitamos de eleger entre os demais de nós, aquelas pessoas que se destacam da multidão. Medindo o seu sucesso pelo dinheiro e pelo reconhecimento que conseguem, projetamos a nossa vida, na forma de desejo, nas vidas dessas pessoas e acreditamos um pouco mais que, sim, que a nossa vida é possível e que vale a pena. Mas não só. Precisamos também de ser aceites, por quem somos e por aquilo que fazemos. E importa-nos (e muito) que nos digam que somos importantes. Por isso, de resto, é que somos capazes de vingança.

A mais das vezes, “apenas” porque sentimos que desconsideraram a nossa importância, seja social, profissional ou afetivamente. De forma oposta, ser famoso é sinónimo de ser importante e objeto do desejo, inveja, ciúme e cobiça dos nossos semelhantes. E, cada qual de nós à sua maneira, gosta de algumas destas ideias que a própria ideia de fama inspira. – Afinal, quem não gostaria de ter estatuto, dinheiro, reconhecimento?

Por isso, quando alguém que, aos nossos olhos, atingiu esse patamar de exceção na sua comunidade, toma contra si atos que põem fim à sua vida, parece-nos ainda mais difícil de interpretar o sentido do seu suicídio. No entanto, o ato em si é idêntico, perpetrado pelo mais indigente como pelo mais excelso dos seres humanos. Trata-se sempre de alguém que sucumbiu ao seu próprio sofrimento. É corrente a propósito deste ato dizer-se ou ouvir-se dizer que essa é “a última saída”.

Mas, recusando a ideia de “morte como saída” ou, sequer, desta como opção, a médica psiquiatra estadunidense Kay Jamison, referiu-se ao suicídio como sendo “a total ausência de opção”, defendendo que os seres humanos, tal como alguns animais, só são capazes de tal ação quando não vislumbram qualquer outra saída. Como o venenoso escorpião do deserto que, vendo-se encurralado, é capaz de se ferrar a si próprio.

Assim Julieta, quando acorda na cena final, julgando Romeu morto, se fere com um punhal, sucumbindo à sua ausência de opções e este, acordando com esta já morta, toma para si o mesmo destino. Quem nos dera que as tragédias da vida fossem mentira, como no teatro.

Ricardo Simões

Encenador, Diretor Artístico – Teatro do Noroeste – CDV

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