Nunca o sarampo foi tão necessário!…

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Tendo assumido, poucos dias atrás, as funções de Capitão do Porto de Viana do Castelo, e sendo já conhecedor da grande maioria dos pescadores, talvez mesmo a sua quase totalidade, não usavam, em qualquer circunstância, o colete salva vidas obrigatório por lei e que muitas das embarcações nem sequer deles dispunham, resolvi, por isso, ir assistir à vistoria anual dos meios de salvação das embarcações de pesca do Castelo do Neiva, vistoria essa que já tinha sido previamente estabelecida.

Para além da curiosidade, pretendia igualmente tentar estabelecer contacto com essa comunidade ligada às pescas daquela localidade, comunidade cuja fama me foi referida como estando bem longe de ser lisonjeira.

Na data fixada, para o efeito, dirigi-me, independentemente da equipa encarregue da vistoria constituída pelo Patrão Mor da Capitania, pelo carpinteiro e por um cabo do mar, para o local afixado, na circunstância, a praia, onde as embarcações a vistoriar se encontravam varadas.

Colocado num local um pouco afastado das embarcações que se encontravam dispersas ao longo da praia, pude observar as “viagens“ efectuadas por alguns coletes, de umas embarcações para outras, o que me levou a aproximar de um dos grupos de embarcações ainda por vistoriar, não tendo passado muito tempo até que fui solicitado por um dos pescadores para que, dissimuladamente, fosse buscar dois coletes à embarcação do Zé, cujo apelido não recordo, nem para o caso interessa, e lhos entregasse. Perante a minha reacção negativa fui, de imediato, questionado sobre o porquê de tão insólita, quanto inesperada, atitude a qual só foi aceite quando expliquei que, em primeiro lugar, desconhecia quem fosse o tal Zé e, talvez mais importante ainda, não o poderia fazer dado ser eu o Capitão do Porto, afirmação esta que gerou, como seria de esperar, grande confusão e surpresa.

No final desse mesmo dia alguém, e estou em crer que todos nós conhecemos alguns desses “amigos da onça”, me fez saber ser voz corrente em Castelo do Neiva que logo que eu ali voltasse me “limpariam o sarampo”.

Dada a circunstância de, ao tempo, gozar de excelente saúde, resolvi, no dia seguinte, voltar novamente a Castelo do Neiva, dirigindo-me a um local que me fora indicado como sendo o ponto de reunião dos pescadores, após o regresso da faina, no caso uma mercearia simultaneamente café e taberna, onde já ali encontrei para mais de uma dezena de pescadores.

Estou em crer que a minha presença naquele local provocou alguma surpresa entre os presentes, maior terá constituído a minha justificação para ali estar. Isto porque lhes expliquei que estava ali para os informar que escusavam de procurar qualquer mezinha ou tratamento para o meu alegado sarampo, pois era maleita que felizmente na altura não tinha e, quase certamente, não voltaria a ter.

Não sei se foi pelo inesperado da situação, ou qualquer outra razão que não descortinei, o que é um facto é que o encontro se transformou, a partir desse momento, num agradável convívio tendo cada um dos pescadores presentes feito questão em pagar-me um café e um bagaço, atitude essa que ainda hoje me questiono se não se trataria de qualquer outra forma alternativa de “tratamento” para alguma outra qualquer doença. Fosse como fosse, o que é um facto é que nas muitas mais vezes que ali me desloquei continuei a poder desfrutar de um bom acolhimento por parte da classe piscatória e, igualmente importante, a usufruir dos cafés que ainda não tinha acabado de tomar.

Carlos A. E. Gomes

P.S. – Tenho como certo que, a partir de então, todas as embarcações do Castelo do Neiva passaram a ter o número de coletes de salvação exigidos por lei, também julgo não estar longe da verdade ao afirmar que a grande maioria desses coletes só uma vez por ano, no dia da vistoria, deveriam sair debaixo das camas, onde permanecem cuidadosamente arrumados.

N.D.- Certamente que, já desde esse tempo, nosso amigo Ilídio Brásio fazia recortes no CM sempre que este diário dava notícias de naufrágios com os coletes adormecidos debaixo das camas!… Nem foi preciso sair ao mar, a virosa pandemia lá estava também atenta!!!

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