O Associativismo nas Políticas Públicas Locais do Caminho Português da Costa

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O Caminho Português da Costa começa na cidade do Porto e termina em Santiago de Compostela. Foi, durante os últimos anos, a rota jacobeia que comparativamente mais cresceu em número de peregrinos, sendo possivelmente a sua dimensão litoral a principal causa deste crescimento.

O associativismo, no passado e na atualidade, sempre teve um papel preponderante no estudo e na sinalização dos itinerários jacobeus através da pintura de setas amarelas, da criação e administração de albergues, sendo que, nalguns casos, os voluntários e associados são gestores dos próprios albergues. As associações, tal como as antigas confrarias medievais e modernas, organizam reuniões periódicas, caminhadas, boletins informativos, celebram o dia 25 de julho ou organizam atividades culturais. Em junho de 2015, foi organizado na Catedral de Santiago de Compostela o Primeiro Encontro Mundial na Galiza de Associações de Amigos do Caminho, onde se reuniram 157 (cento e cinquenta e sete) associações de 28 (vinte e oito) países dos diferentes continentes.

Atualmente muitas das associações são responsáveis pela manutenção dos Caminhos de Santiago, sendo reconhecidas pelo Parlamento Europeu e certificadas pelo Conselho da Europa e a Comissão Europeia: é o caso da “Federação Europeia dos Caminhos de Santiago” ou o “Intergrupo Caminhos de Santiago”. Os peregrinos recorrem com frequência a estas associações, antes de iniciarem a sua peregrinação, para saberem informações acerca do caminho e para adquirirem a “compostela”. Em Portugal, ao longo dos anos, as associações jacobeias têm vindo a promover diversas iniciativas em torno dos caminhos em território nacional.

No âmbito do projeto de investigação Os Caminhos de Santiago em Portugal. Políticas públicas e associativas no Caminho Português da Costa, financiado pela Cátedra Institucional do Camiño de Santiago e das Peregrinacións da Universidade de Santiago de Compostela, desenvolvida pelo grupo de investigação Galabra-UMinho da Universidade do Minho, foram entrevistados representantes de dez associações de âmbito territorial mais ou menos alargado, que têm em comum ligação ao Caminho Português da Costa; foram igualmente entrevistados os dez municípios atravessados por este itinerário.

Entre as associações inquiridas conta-se a recém-criada Federação Portuguesa do Caminho de Santiago. Esta Federação, com sede em Vila Pouca de Aguiar tem o seu âmbito territorial alargado a todo o território Português. Constituída formalmente em 17 de maio de 2019, teve um papel interventivo na preparação do diploma legal que concebeu a certificação do Caminho de Santiago em Portugal, conforme consta do seu preâmbulo.

No âmbito do inquérito apurou-se que apenas dois dos dez municípios inquiridos, integram a Federação Portuguesa do Caminho de Santiago. No seu conjunto, os municípios não entendem como muito relevante o trabalho desenvolvido pela Federação. Alguns demonstram mesmo um total desconhecimento acerca das suas iniciativas, objetivos e trabalho.

Já quanto às associações jacobeias, verifica-se que das dez inquiridas, cinco fazem parte da Federação e quatro dessas cinco entendem que o seu trabalho é bastante ou muito relevante. Quanto às associações que não fazem parte da Federação, justificam a sua resposta face à menor relevância do trabalho realizado pela Federação, por entenderem haver “falta de comunicação” e/ou “ainda ser muito recente”.

A constituição da Federação Portuguesa do Caminho de Santiago (FPCS) preconiza como objetivos, de acordo com o artigo 2º dos seus Estatutos, entre outros: a gestão; promoção; divulgação e organização do Caminho de Santiago em território nacional. Além de funcionar como interlocutor entre os associados e o Governo, promove candidaturas a fundos europeus, nacionais ou internacionais com vista à prossecução da sua finalidade. Esta associação sem fins lucrativos e prosseguindo um interesse público visa ser a entidade gestora tão necessária para a proposta de certificação pelo Conselho da Europa enquanto Itinerário Cultural Europeu.

A FPCS é reconhecida como representante nacional da Federação Europeia dos Caminhos de Santiago, no entanto, não conseguiu, até agora, significar-se a nível nacional como agente relevante na gestão dos Caminhos. O Governo apenas concedeu à Federação o estatuto de membro do Conselho Consultivo. A FPCS é reconhecida pelo Conselho da Europa, fazendo parte do Instituto dos Itinerários Culturais, contudo não lhe foi atribuída a representação do Estado português naquela estrutura internacional. A opção recaiu por atribuir essa competência à Comissão de Certificação, por força do Decreto-Lei nº 17/2021, de 3 de março, que procedeu à primeira alteração ao Decreto-Lei nº51/2019, de 17 de abril, —“representar Portugal para as matérias relacionadas com o Caminho de Santiago junto das entidades internacionais relevantes, incluindo organismos gestores do Caminho de Santiago”. Tendo sido nomeado o coordenador da Comissão o representante nacional junto do Instituto Europeu dos Itinerários Culturais. Neste quadro, cabe pensar que se à Federação Portuguesa do Caminho a Santiago tivesse sido conferida essa competência a sua projeção nacional poderia ter um reconhecimento diferente, quer dos municípios que atravessam o Caminho Português da Costa, quer das associações que atuam naquele território.

Maria João Moreira

Inês Americano Lopes

Investigadoras do Grupo Galabra-UMinho do Centro de Estudos Humanísticos da Universidade do Minho

 

 

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