O “Expresso” que não expressa

Gonçalo Fagundes Meira
Gonçalo Fagundes Meira

Na década de 1990, julgo, aconteceu-me estar a participar num encontro nacional de comunicação empresarial e aproveitar um dos intervalos para adquirir o semanário “Expresso”. Acompanhava-me um dos vários colegas com quem tinha feito parceria na fundação da Associação Portuguesa de Comunicação Empresarial, que, surpreso, me perguntou se ainda me restava paciência para ler este semanário. Agarrando o mote, respondi-lhe que era leitor permanente do mesmo desde a sua fundação, ademais, não havia imprensa independente nem isenta de erros. Nós próprios, à nossa pequena escala, nas nossas empresas, também nem sempre produzíamos a mais feliz e objetiva informação. “Pois, mas procuramos informar na base de fontes fidedignas e de factos reais. Se não estamos suficientemente informados não noticiamos. Esse deve ser sempre o nosso princípio capital”, respondeu-me.

Continuei a manter-me fiel a este jornal, como acontece com várias outras publicações. Contudo, em 2009, quando deparo com uma manchete de primeira página no “Expresso” sobre a construção nos ENVC do tão propalado navio “Atlântida”, tive a sensação do vazio e o alerta do meu colega veio-me de imediato à memória. Não queria acreditar. Conhecendo, por dever de função, com particular minúcia os meandros de todo este folhetim que, no mínimo, se pode considerar hediondo, confronto-me com uma notícia feita na base de fontes não identificadas, incongruente e cheia de inverdades, que enxovalhava um construtor naval com provas dadas no mundo inteiro, com um número significativo de navios premiados, quase todos para Armadores estrangeiros.

Já ao fim do dia, recebo um telefonema do meu amigo, que me quer manifestar toda a sua solidariedade, dado conhecer muito bem a real valia da empresa onde trabalhava há décadas, acabando a dizer-me: “bem o alertei para a pouca fiabilidade desta gente, apesar dos ares de grandeza a que se dão. Eles precisam como pão para a boca de notícias aparatosas para a primeira página, e esta, à falta de melhor, deu-lhes jeito. Quando na hora de fecho da edição, por falta de uma notícia de encher o olho, atingem o desespero, caem nestas tentações, sem cuidar de saber as consequências de tal. E não vale a pena desmentir seja o que for. A verdade deles é que vai prevalecer”. De facto, perante um processo kafkiano como foi o caso do Atlântida que, com uma justiça decente, devia condenar muita gente a duras penas de prisão, o “Expresso” nunca mais recuou na sua posição noticiosa. Não ouviu ninguém, nada indagou, não apreciou documentos, enfim, nada fez no sentido de prestar uma informação séria aos seus leitores e, informando, ajudar até a justiça a fazer o seu trabalho. Continuei a ser seu leitor, até porque aprecio a escrita de alguns dos seus cronistas, mas as minhas reservas em relação à dita informação de referência passaram a ser cada vez maiores.

Há algumas semanas Luís Montenegro escreveu no “Expresso” uma crónica sobre o êxito da solução que Aguiar Branco encontrou para os ENVC. Como senti que no escrito havia muito de fantasioso e inverídico, escrevi uma curta carta para o Correio dos Leitores do jornal, onde tentava clarificar alguns factos. Já sabia, obviamente, que o destino da mesma era o caixote do lixo, apesar da lisura do texto, já suficientemente preparado para a “tesoura” que quase sempre utilizam, com a alegação de carateres em excesso. Felizmente, o país não tem só o “Expresso”. Pouco tempo antes, também sobre os ENVC, o Jornal de Notícias tinha-me publicado uma carta bem longa a clarificar igualmente várias inverdades do seu cronista Nuno Melo. Só que na nossa imprensa ainda temos estas “vacas sagradas”, em que se arma o “Expresso”.

Aqui chegados, perguntará o leitor se os jornais são para ler ou abater? Penso que são mesmo para ler. Devemos lê-los e o maior número possível. Só assim estaremos preparados para distinguir a boa da má imprensa e compreender melhor o curto fundo de verdade que, tantas vezes, uma notícia dita grandiosa comporta em relação à realidade. Por outro lado, uma democracia não se consolida sem imprensa, seja ela séria ou menos séria. Mas a menos verdadeira convém sempre denunciá-la, para que a boa imprensa marque permanentemente presença, como é o caso deste jornal, que vai já nos seus 164 anos de vida.
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