Outros tempos

Leandro Matos
Leandro Matos

Jovem, com os meus 10/11 anos, juntamente com outros colegas da minha aldeia, Neves-Vila de Punhe fazia a caça aos passarinhos, tal era o hábito naquela época. Munidos de ratoeiras feitas de arame, em forma de meio círculo, com molas que faziam disparar um arame contra outro, que se vendiam nas lojas de ferragens. Espalhávamo-las pelos campos fora ao fim da tarde, para fazer a recolha das presas no dia seguinte pela manhã. Depois era feita uma caldeirada.

Sabíamos lá o que de mal ou bem fazíamos! Escusado será dizer que tudo isto era hábito no seio da rapaziada lá da aldeia. Pé descalço, saltavam-se muros, riachos, comia-se fruta das árvores espalhadas pelos campos, amoras, cerejas, maçãs, etc. O que se encontrava… decorriam os anos 50. Não se pensava no mal que se ia produzindo. Naquela idade não havia receio de nada. Nesta época das vindimas, se me recordo, as melhores uvas também não escapavam naquelas agras com vinhedos à volta. A fome também campeava nas nossas bocas e os respetivos proprietários incumbiam alguém para vigiar terceiros… não adiantava nada, porque entre nós havia sempre colegas mais astutos e sabedores. Só nas aldeias isto acontecia! Os tempos mudaram, a juventude já não se interessa por isto. Que saudades! Os campos produtivos de outrora deixaram de ser cultivados para dar lugar a loteamentos onde predominam habitações e, quando lá passo, a minha memória enche-se de recordações. Tempos que não voltam mais.

Também, com outros colegas fui um “investigador” de ninhos. Passávamos dias inteiros a procurar ninhos! Encontrei de tudo, extensões fora, outrora muito mais livres e só com sementeiras, agora muitos deles ocupados por casas ali construídas. A minha aldeia foi alvo de uma ocupação habitacional daqueles campos devido ao surto migratório. Tempos de escola primária! Bons tempos. Só lá, nos campos, nas aldeias, se aprendia estas coisas que nos ensinaram vida fora. Ninhos de melros, de pintassilgos, de pegas, de poupas, de piscos, de rolas, etc. Tudo se procurava. Nesta época das uvas, depenicavam-se de todas as qualidades debaixo dos vinhedos no aproximar do amadurecer dos cachos a “colorar”, próximo da safra. Com aquele cheirinho a morango… (uvas morangas ou americanas como lhe chamavam). Coisas lindas…encanto da vida no campo, do tempo de rapaz, sem apreensões e preocupações. Que felicidade naquela época! Sabíamos de muitos ninhos! Quando tinham filhotes lá os deixávamos. Os de melro eram os mais difíceis de encontrar, porque estes faziam-nos no meio dos silvados e as silvas apicaçavam! Os outros, nos choupos, nas árvores, nas vinhas, nos lugares mais recônditos, já o sabíamos. Era ai que a passarada os escondia. 

– Recordo, pois, agora, com alguma, muita saudade, estas memórias que me trazem à lembrança as épocas de vivência de jovem, na minha aldeia. Que rica juventude! Tantas coisas aprendi.  A regar o cebolo, o milho, o ripar da azeitona, a semear batatas, a sachar, a pisar uvas, o apanhar erva para coelhos, o regar a roupa que corava depois de lavada no rio. Não havia máquinas. Coisas que minha mãe me ensinou e me obrigava a fazer. Aprendi muita coisa com ela. Que saudades, querida mãe. Quanto te devo!

Presentemente, e talvez porque o tempo me permite agora ser mais pensador que outrora, e de ter mais disponibilidade para recordar o passado, ficam estes apontamentos em jeito de história de outros tempos que me traz à memória há mais de seis/sete décadas. A minha querida juventude que vi passar num ápice que, para os da minha geração, não passará decerto de uma saudosa e pesarosa recordação de outros tempos.

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