Pecado urbanístico

A. Lobo de Carvalho
A. Lobo de Carvalho

A zona histórica da nossa cidade de Viana foi, praticamente, toda requalificada ao nível das suas artérias e, abstraindo-nos de um ou outro arruamento ignorado, é justo que se diga que, no geral, evidencia uma imagem acolhedora e bastante funcional, a que acrescem a recuperação do saneamento básico e a instalação da rede de gaz natural.  Isto é reconhecido tanto por quem aqui vive, como por muitas pessoas que, estando afastadas, ficam agradavelmente surpreendidas com as melhorias introduzidas quando nos visitam.

Já quanto aos prédios antigos, com mais ou menos aspectos históricos, e embora seja de enaltecer o esforço de recuperação que vem sendo levado a efeito pelo sector privado, com a colaboração da autarquia no que toca à isenção ou diminuição de taxas, este caminho tem sido um pouco mais lento, o que é facilmente percepcionado, considerando os custos que tais obras implicam e a sua relação com o capital investido. 

O chamado prédio Coutinho    que alguém, exageradamente, dizia que estava para a cidade de Viana como a Torre Eiffel para Paris    vai caminhando para o final da sua demolição, depois de muitos solavancos no percurso. Com a concordância de uns e a oposição de outros, a verdade é que atingiu a um ponto sem retorno, havendo que enfrentar a nova realidade sem ressentimentos. Existe, agora, um maior desanuviamento, há pessoas que, finalmente, reconquistaram o direito de poderem apreciar as águas calmas do Rio Lima e é sabido que terá lugar a construção de um mercado municipal moderno e de grande interesse para dinamizar a actividade socioeconómica, que tem andado pelas ruas da amargura com um comércio de subsistência triste e nada apelativo para residentes e visitantes. 

Entre os edifícios históricos da cidade existem alguns palacetes e palácios, que são autênticas jóias arquitectónicas, que deveriam merecer por parte das autoridades locais, designadamente da Câmara Municipal, um interesse muito especial, atendendo a que se trata de antigas construções muito relevantes, intimamente ligadas ao desenvolvimento e afirmação da cidade de Viana, visto terem pertencido a ilustres vianenses que a fizeram crescer e a dar a conhecer ao mundo. Um especial interesse, sobretudo, respeitando a sua inserção no ambiente urbano, não permitindo o crescimento de fantasmas em cimento em seu redor.

Dos existentes, todos eles de apreciável beleza, permito-me destacar o palácio que serviu de sede ao Governo Civil e que albergava, esporadicamente, membros do governo central quando aqui se deslocavam, como foi o caso do Presidente da República, Dr. Mário Soares. Este palácio, conhecido por Casa dos Cunhas, para além da sua grande relação com a história e ser um símbolo de poder político, apresenta-se como um hino à arquitectura dos princípios do Séc. XVIII, que enche os vianenses de orgulho, merecendo ser acarinhado por todos.

Lamentavelmente, porém, a Câmara Municipal autorizou a construção daquilo a que (sem ofensa) chamaria um mostrengo, que lhe retira visibilidade, pois que um pouco à sua frente, e num local onde poderia e deveria ter sido construída uma praça que muito valorizaria aquela área e o próprio palácio, acabou por crescer um edifício de não sei quantos pisos que, roubando o brilho àquela obra de arte, me parece também completamente deslocado. Que o promotor imobiliário se tenha esforçado para obter a licença da construção não é de admirar, porque é sua função, pretende ganhar dinheiro e revela espírito empreendedor. Contudo, que a autarquia vianense tenha dado a sua aprovação, passando uma esponja sobre a história e não relevando o enquadramento edificado existente, já é outra questão, que aponta para a total falta de sentido de estética, ou seja, um pecado urbanístico de palmatória.

Penso, a propósito, que o palácio em questão nem deveria ter sido ocupado por nenhum serviço do Estado, e os que lá estão instalados não lhe acrescentam nenhum valor especial, sendo que o seu terreno privativo circundante até exibe uma imagem algo desleixada, o que não deixa de causar perplexidade, mais ainda se nos lembrarmos do seu jardim bem tratado, fresco e viçoso dos tempos em que foi sede do governo civil do Distrito. Este palácio deveria ter sido conservado como um museu, disponível para uma função adequada à sua grandeza como, por exemplo, receber um Departamento governamental no âmbito da descentralização, e que bem poderia ser a Secretaria de Estado do Mar, agora entregue a um vianense, o Engº José Maria Costa.  

Constata-se, ainda, que o troço da Rua da Bandeira onde se situa este palácio, está repleto de edifícios históricos que foram sendo recuperados, oferecendo uma imagem muito agradável daquela artéria citadina. Retirar-lhe essa dignidade, permitindo construções desajustadas nas imediações, não representa evolução, mas revela um retrocesso urbanístico.

Para finalizar, acrescentaria que os serviços instalados no referido palácio ficariam bem mais funcionais no edifício que é propriedade dos Bombeiros Voluntários de Viana (BVV), devidamente adaptado para o efeito, ficando paredes meias com as duas mais altas entidades do Concelho com que se coordenam:- A Câmara Municipal e o Tribunal Judicial. Como é sabido, este quartel dos BVV tornou-se acanhado para as necessidades e manobras operacionais, sendo que a autarquia vianense poderia disponibilizar-lhes um terreno adequado com acessos próprios para o cumprimento das missões, coisa que agora não têm. Para além disso, bem que poderia ajudar aquela Associação Humanitária na construção do novo equipamento com verbas obtidas através da “bazooka” europeia, considerando os biliões de euros que vão chegando ao país. Porque não pensar nesta solução?

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