Pedro, o “desertor”

A. Lobo de Carvalho
A. Lobo de Carvalho

No campo da política interna este Verão apresentou-nos, como novidade, uma situação pouco comum, traduzida no anúncio do nascimento de um novo Partido. Não, exactamente, por ser criado um Partido, mas sobretudo pelo facto de isso acontecer pela mão de um ex-militante VIP do PSD, que, não tendo conseguido digerir a derrota nas eleições internas para a liderança nacional, entrou em profunda crise pessoal, abandonou o seu antes tão querido PPD/PSD e resolveu fundar um outro, cujo nome, no momento em que escrevo estas linhas, está ainda no segredo dos deuses. E se considerarmos que essa figura se chama Pedro Santana Lopes, então está tudo dito porque, na verdade, ao longo da sua trajectória política, evidenciou uma vincada rebeldia verbalizada em críticas às diversas lideranças e sonhou sempre muito alto.
Isso não invalida que Santana Lopes tenha sido um militante que gerou algumas grandes alegrias ao PSD, com vitórias importantes, designadamente a conquista da Câmara Municipal de Lisboa, e, antes, a da Figueira da Foz, assim como teve um papel importante enquanto Secretário de Estado da Cultura, sob cuja égide nasceu aquele que é, para o orgulho nacional, o Centro Cultural de Belém (CCB). Em certas alturas, foi mesmo considerado o “santo” das causas impossíveis e esse mérito ninguém lho tira.
Já enquanto líder não eleito do PSD, decorrente da ida de Durão Barroso para Presidente da Comissão Europeia, e, em consequência, como Primeiro-Ministro, não conseguiu realizar os seus objectivos, por razões diversas, algumas delas bem percepcionadas pelos militantes e eleitores, de entre as quais se contam a ausência de uma autoridade firme no seu governo, uma tendência para o populismo, a falta do perfil requerido para alguns dos seus ministros e secretários de Estado, uma certa descoordenação política e a pressa em fazer certas coisas de forma diferente, mas nem por isso mais funcionais. Deixou-se deslumbrar pelo cargo, não lhe prestou a devida atenção e a queda foi fatal.
Sou dos que apreciei a capacidade evidenciada no combate político e as vitórias que trouxe ao PSD, mas foi também com sentimento de frustração que vi Santana Lopes abandonar a sua família partidária, porque efectivamente se tratava de uma figura com algum peso político. Lá terá as suas razões para discordar da orientação política do actual líder nacional do PSD, mas, como homem experiente e adulto, deveria pensar que na sua discordância não se encontra isolado e que outros militantes e simpatizantes pensarão como ele, não sendo por isso que vão desertar das fileiras. E como vivemos em democracia, e esta manda respeitar quem ganha com legitimidade, como foi o caso das últimas eleições internas do Partido, em que Rui Rio saiu vencedor com todo o mérito, Santana Lopes só tinha de aceitar, porque, de facto, perdeu! Se todos os que não concordam com a actual orientação do PSD optassem pela solução radical do abandono, penso que muito mal iria o nosso sistema. Nesta, como noutras situações, só haveria que esperar por novo acto eleitoral. para uma melhor clarificação das políticas doutrinárias orientadoras da vida do Partido.
Sendo rebelde e ambicioso, como é, compreendo que Santana Lopes se tenha sentido fortemente penalizado por ter perdido as eleições — sobretudo após algumas vitórias políticas muito saborosas — impedindo-o de ter sido investido como novo “kaiser” com a possibilidade de vir a ser Primeiro-Ministro de Portugal por direito próprio, e não por substituição, como aconteceu no passado. Entendo a mágoa de ter sido demitido pelo PR de então, Jorge Sampaio, e de não realizar o sonho de voltar à chefia do Governo pelo voto dos eleitores. Para quem viveu e vive a política tão intensamente, acredito que são dores que não têm cura e que ficarão indelevelmente marcadas na alma. Mas tenho a convicção de que, se não realizou este sonho dentro do PSD – onde tinha muito espaço para sonhar e lutar – não o realizará também no seio de outro Partido, muito menos no que criou, que não passará de mais uma excrescência, como o foram no passado a ASDI ou o PRD.
E como a ambição desmedida normalmente provoca cegueira, acredito que Santana Lopes apressou o fim da sua carreira política. Até pode ser que venha a ser eleito deputado, mas sem o impacto com que sonha, e assim teremos mais um político, que foi brilhante e combativo, no ocaso da sua ilusão.
Estou curioso para ver a “debandada” de militantes do PSD que se diz que irão aderir à nova filosofia política de Santana Lopes. Os muitos ou poucos que desertem devem fazer tocar os alarmes na liderança social-democrata, muito especialmente no que diz respeito ao apoio que possa vir a oferecer aos socialistas de António Costa, coisa que não é vista com bons olhos pelos militantes, que não esquecem a forma odiosa como o PSD foi tratado pelas esquerdas e pelo PS em particular.

(Foto: “DNotícias”)

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