Por estes trilhos…

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Quando uma determinada coisa, uma coisa diferente, sem se saber se era ser vivo ou simplesmente coisa, nem criatura como num antigamente chamavam aos humanos acabados de nascer, se soltou de uma Whuan, lá da China, não passava pela mente dos comuns mortais imaginar o que dali viria!

Quem, como eu, vive numa aldeia onde não falta a terra para cultivar, os montes para fazer sorrir os pulmões, o rio para gáudio de o olhar no seu vagar à medida que nos leva os segredos e os passos a seu lado… não aceita, de ânimo leve, uma coisa, um bicharoco coroado de cores que venha competir com a magia dos pirilampos, com o sublime coaxar das rãs, com os pássaros que se alardeiam no seu sensual chamamento, com uma irmandade luso-galaica, com a serenidade de quem se estende na primavera das tardes e no pasmo anoitecer com a musicalidade dos seres que habitam a noite e copulam no lastro da lua.

Não me encantasse eu com a vida, não me endoidecesse eu com o que me deslumbra e não acreditasse eu nessa continuidade, não seria difícil sucumbir ao sinal de alerta, em tom de comando e com a credibilidade tão credível, porque sim. A tal coisa, até engraçada como comprovam as imagens, nascera com nome de corona, um novo coronavírus, um covid-19 que apareceu… Apareceu! Apareceu para atormentar o mundo em modus espírito maligno que procura um lugar para se instalar, se possível dentro da gente, só dentro da gente, para se soltar em espirro, em tosse e depositar os perdigotos, microscópicos ovos, em tudo que é sítio, ao contrário de um ser vivo normal que escolhe, a preceito, onde largar a sua descendência sem prejuízo ou dano.

Será esta coisa um ser vivo?! As pedras, que são pedras e, também as há parideiras, servem para edificar, embelezar, sinalizar, abraçar videiras em curros… São musas inspiradoras dos escopros e dos poetas, berçários de lapas e mexilhões… E chega-nos este vírus! Eu teria vergonha de ser vírus, principalmente um vírus como este, ladrão, cobarde, atacando, de preferência, os mais indefesos, os doentes, os idosos, os lares por saber que a fragilidade dos “velhos” já não permite questioná-lo nem confrontá-lo.

Antes do novo coronavírus ter sido inventado, ter escapulido de um laboratório, ter surgido de um sopro endeusado ou de uma mezinha de feitiço ou de um malabarismo ensaiado… A Terra planeta andava há muito intoxicada de vírus de várias espécies, de uma enfermidade, para a qual não havia remédio, chamada humanidade.

E por estes trilhos incertos temos andado com uma incomensurável ausência de quase tudo, numa vida esfomeada de liberdade, de abraço físico, de beijo colado, de mão apertada noutra mão, de olhos nos olhos, de brincadeiras no recreio, de aulas na escola, de trabalho no trabalho, de sorrisos sem máscara…

E… “se o sangue não me engana como engana a fantasia”, assim continuaremos enquanto uma punção milagreira não nos absolva de todos os pecados.
*Escritora

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