Professores em protesto

A. Lobo de Carvalho
A. Lobo de Carvalho

Quando era criança, iniciei a primeira classe da instrução primária (assim se chamava) numa escola velhinha a cerca de três quilómetros de casa, o que significa que fazia seis quilómetros diariamente, fizesse sol ou chuva, deslocando-me, como outros, sempre a pé, porque não havia os apoios à mobilidade que hoje existem. Os livros passavam de irmão para irmão (não havia as negociatas de hoje…) e o professor ministrava, na mesma sala, as quatro classes, tendo-me acompanhado até ao exame final da quarta classe, feito numa escola na sede do concelho. Classifico isto como um verdadeiro acto de heroísmo e dedicação à causa do ensino, sem greves nem sindicatos. Foram verdadeiros profissionais os professores desses tempos, salientado que o meu professor fazia o mesmo percurso que eu, já que éramos vizinhos. Das muitas gerações que tiveram um ensino básico como eu, no interior do país profundo, não deixaram de sair pessoas com sólida formação de base que, tendo podido dar seguimento  aos estudos secundário e superior, atingiram notoriedade, ocupando lugares de grande relevo.

Hoje, há professores para todas as disciplinas e classes, e ainda bem que assim acontece, porque é sinal de que os tempos mudaram e o sistema de ensino evoluiu. Mas, curiosamente, são os líderes sindicais que ousam sobrepor-se ao Ministro da Educação para ditar leis sobre o ensino, fazendo disso a sua coutada e comportando-se mais como agitadores profissionais do que como representantes de uma classe profissional digna e com importantes funções educativas.  

Os professores são, na generalidade, pessoas de bem e penso que não deveriam entrar em radicalismos, mas agirem com racionalidade. Não é pelo facto de haver uma lei da greve que vamos abusar dela. As políticas do ensino são da competência dos governos, não dos sindicatos, embora uns e outros devam colaborar na busca de soluções exequíveis para a melhoria das condições, sem o recurso a extremismos.

Claro que são admissíveis algumas reivindicações dos professores, mas outras não. Compreende-se que lutem pelo seu vínculo ao Estado; que lhes seja contado o tempo de serviço que reclamam, desde que o tenham cumprido; que obtenham estabilidade; que tenham melhores salários. Mas já não se compreende a exigência de todos chegarem ao topo da carreira porque, na verdade, se existem professores excelentes, há outros que são incompetentes e medíocres. Não será verdade? De resto, se virmos, por exemplo, a carreira militar, nem todos os oficiais chegam a generais. São escolhidos os melhores de entre os melhores pela excelência do seu desempenho multifacetado e por cursos que fazem. E mesmo assim nem todos chegam ao posto máximo (general de três e quatro e estrelas), ficando-se por duas ou uma estrela (major-general e brigadeiro-general) porque o quadro de pessoal não comporta. O mesmo se diga nas Forças de Segurança e Função Pública. Face a esta realidade, porque razão haveria de ser diferente com os professores? 

Claro que a estabilidade é fundamental para o exercício da profissão, mas no Estado sempre houve e haverá situações de desconforto e de injustiça. Tive vários períodos da minha vida profissional que andei, como se costuma dizer, de saco às costas. De uma assentada, fui deslocado durante quatro anos para quatrocentos Kms de distância, para o que me pagaram ajudas de custo iguais a um mês de vencimento, sem mais nada. Outras deslocações se seguiram e só regressei ao meu lar quando me reformei, tendo na minha última deslocação ficado doze anos a cinquenta Kms de casa. Como eu, muitos e muitos outros cidadãos tiveram e têm uma vida profissional semelhante, de desconforto total. 

Muitos professores estão nesta situação, como se tem visto pela comunicação social, e a luta pela estabilidade é natural. Só que não é um problema fácil de resolver, mas antes um quebra-cabeças que ainda nenhum ministro da tutela conseguiu solucionar, nem creio que seja possível, pois sempre haverá inconformismo e injustiças na perspectiva de cada um. 

As recentes manifestações, em muitos casos, mais se assemelharam a cortejos de carnaval antecipado do que àquelas arruadas com regras, onde impera o civismo e a seriedade das causas exequíveis. As vítimas são os alunos, a quem não só lhes é negado o direito ao ensino, como são também manipulados para integrarem os cortejos, sem que muitos saibam a razão pela qual isto acontece. Mas como alguns dirigentes sindicais vivem para o folclore televisivo e se arrogam “donos disto tudo”, em confronto permanente com os governos, não acredito que os professores venham a colher especiais benefícios. E não deixam de estar isentos de culpa, ao elegerem colegas arrogantes para os representarem. O que faz Mário Nogueira em prol dos estudantes? Quantos anos deu aulas? Porque não se candidatou a ministro da educação quando seu partido fez parte da geringonça?

Diria, em resumo, que assistem algumas razões aos professores para a contestação, mas não podem querer tudo ao seu gosto e muito menos ao mesmo tempo, porque não acredito que seja exequível. Se agora existem 17% que atingiram o topo da carreira, já o podem considerar muito bom, porque noutros sectores do Estado só 10% lá podem chegar. Como neste país não existem castas, não há razões objectivas para uns serem favorecidos e outros não. A Justiça deve ser igual para todos.

Os estudantes, que são a razão pela qual existem professores, acabam por ser os grandes prejudicados, assim como as suas famílias próximas. Por isso mesmo, quem dispõe de recursos coloca os filhos no ensino particular, onde a estabilidade é um bem a estimar e o sucesso acontece. Se olharmos para trás, verificamos que os professores têm andado sempre em crise desde o 25 de Abril. Será que algum dia haverá solução para todas as suas reivindicações?

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