“Quando imprecações de ódio e de morte ecoaram na Vila”…

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Certos acontecimentos não ocorrem por mero acaso (refiro-me ao sucedido em 1846, na Vila de Viana). Por isso, relegando para um plano secundário factos históricos já bem conhecidos e estudados, tentei encontrar, em Jornais portuenses desse ano, eventuais indícios de crispação, aparentemente desconexos, a predizer a ocorrência, mais cedo ou mais tarde, de graves tumultos no Norte do país. Assim, por exemplo, “A Coallisão” de 22 de Janeiro (N°18), refere a seguinte notícia, de que transcrevemos parte:
– “Prisão – Sábado, seriam 11h ou meia-noite, foi preso o Snr. Coronel Owen e mais seu filho Hugh Owen, ambos moradores na Rua de Cedofeita, n° 202.

Foi o caso seguinte: o Snr. Owen mandou o seu criado com uma carta a casa do Snr. Forrester e o criado voltou, dizendo que uma patrulha da cavalaria da municipal o tinha espancado, prendido e sujado a carta, a título dele ter sido a causa da fuga de uns presos que, na ocasião de o criado passar, se achavam ali vigiados pela mesma patrulha.

O Snr. Owen, assim que isto soube e depois de bem informado do caso, foi pedir uma satisfação à patrulha ou, pelo menos, uma explicação; porém, em vez de a obter, como merecia pela sua idade, graduação e responsabilidade, só teve em resposta, palavras desabridas, gestos ameaçadores e finalmente a voz de prisão a que prontamente obedeceu e, em casaco de chita como se achava, foi conduzido assim como o seu filho ao Quartel do Carmo, onde obteve todas as possíveis satisfações dos seus oficiais de dia e a promessa de castigo dos soldados”.


E, a 03 de Fevereiro (N° 27), publica:
“Subordinação militar – Os soldados 266 e 361 da Guarda Municipal desta cidade, em consequência de crimes recentes foram julgados por um Conselho e este aplicou-lhes a maior pena que podia, condenando-os a serem mandados para um corpo de linha; outro tanto aconteceu ao soldado de cavalaria que insultou o Snr. Coronel Owen; estas sentenças foram publicadas em uma ordem de corpo, porém a alta protecção do Snr. … de quem o primeiro é compadre fez com que fossem revogados os castigos e todos três passeiam pelas ruas da cidade, prontos para cometerem toda a casta de crimes.

Nada há mais próprio para manter toda a subordinação de um corpo encarregado de fazer polícia a uma cidade. O Snr. Coronel Owen deve por sua segurança andar cauteloso pois que como satisfação ao insulto que recebeu deram plena liberdade ao insultador para cometer novos crimes.

A quem está confiada a nossa segurança!”
Penso que este incidente apenas foi “ressuscitado” pelo meu pai, no seu artigo “Dois Ingleses — Coronel Owen e General Miller” (Revista — O Tripeiro).

Recorde-se que o Coronel Hugh Owen (1784 — 1860), Oficial de Cavalaria dos hússares do exército inglês e “conselheiro” de D. Pedro IV durante o Cêrco do Porto, era um personagem muito popular e respeitado na Invicta. Casado, a 07 de Dezembro de 1820, por procuração, Maria Rita Rocha Pinto, foi pai da malograda Fanny Owen (1830-1854) cuja infeliz e romântica vida amorosa fez correr muita tinta…

Porém, igualmente a 03 de Fevereiro, “A Coallisão” relata o seguinte:
– “ Desacato – Esta manhã apareceu a igreja da Lapa completamente roubada. Os perpetradores deste crime atroz despiram as imagens a ponto de as deixar nuas! Arrombaram o Sacrário, lançaram por terra as Sagradas partículas e levaram o vaso! Santo António foi o único que escapou.
Não aparece na igreja rombo algum por onde os criminosos entrassem; mas como ontem às 7 horas da noite houvesse ali um enterro, desconfia-se que eles ficassem ocultos dentro da igreja”.
Mas, a 09 de Março, refere um incidente tumultuoso, ocorrido na igreja de Santo António da Porta de Carros (actual igreja de Santo António dos Congregados) talvez por muitas pessoas não concordarem com uma confraria há pouco ali instituída. Dessa notícia, somente transcrevemos parte:
“Começaram e prosseguiram as rezas, sem que houvesse gesto nem palavra nenhuma hostil; só se notava uma destas agitações surdas, que são percursoras de temporal; até que um padre ia dar começo à prática ou cousa semelhante e, nesta ocasião é que romperam vozes de diferentes lados – fale mais alto! Eu não ouço – ao que se seguiram prolongados sios! e frases soltas e tumul- tuárias, o que logo se convertiu em alarido e vozearia, mais medonha por ser dentro da igreja e estar esta cheia de gente. Então os padres e as pessoas mais conspícuas da associação, vendo os ares carrancudos e não estando dispostos ao martírio, refugiaram-se na sacristia e imploraram o socorro da autoridade”.
Estes são, apenas, três casos, respigados de um único Jornal portuense, mas talvez a predizer a ocorrência de factos bem mais graves.

Naqueles confusos dias de Outono de 1846, “quando imprecações de ódio e de morte ecoaram na Vila”, a turba enfurecida, vinda das aldeias vizinhas, percorria as estreitas ruas da povoação, concentrando-se nos terrenos do “Campo do Castelo” e nas suas imediações. Pela vozearia, exaltação, disparos de armas de fogo e brandir de armas brancas, temeu-se o pior. Mas, talvez por sorte, prevaleceu algum bom senso e assim foi afastado o perigo de uma maior tragédia…

Nota – Agradecemos a gentileza da colaboração da “Associação Cultural Amigos do Porto”.

N.R. – As desculpas ao autor deste texto, pelo atraso da publicação.

José Luís Rosa Araújo

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