Recordando

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Caminhando pela praia, bem cedo, observando a grandeza do extenso mar, quedei-me em frente a ele. Ao som de uma brisa suave que refrescava o meu semblante, dava conta de que as ondas se desfaziam no encontro com as rochas, originando um lençol de branca espuma. E nessa contemplação, vieram à minha memória, vários naufrágios onde muitas vidas foram ceifadas.

Um desses naufrágios foi o do “Jorge de Jesus”, barco de pesca artesanal da frota vianense, ocorrido em 30 de julho de 1968 (há precisamente 53 anos). Dessa tripulação fazia parte Manuel Maria de Sousa (cebola), como fora apelidado pelos antigos “timoneiros do mar” da Ribeira de Viana. Nesse acidente, nos deixaste para todo o sempre, meu irmão, servindo, desde então, esse sagrado mar de tua sepultura. Eram 2 horas da manhã. O mar era sereno, como alguns sobreviventes o narraram. No céu, cintilavam estrelas e quando ninguém o previa, o navio norueguês “Bayard” ocasiona, num ápice, o abalroamento, afundando, sem dó nem piedade, o “Jorge de Jesus”.

“Seis sobreviventes tiveram de se tratar dos ferimentos causados pelas mordeduras das tintureiras sofridas nas quatro horas em que aguentaram agarrados aos destroços, enquanto cinco colegas se afogavam”, extrato retirado do livro “Com Amadeu Costa – 1920-1999”, que me foi oferecido, com bonita dedicatória pelos autores Helena Adrião Brito e António Carlos Costa.

Incrível, como tudo aconteceu! Em recinto tão largo, como é o mar, o acidente aconteceu. Incúria dos homens ou marcas do destino?

Em meu pensamento, pedi a Deus, “meu irmão Manuel Maria de Sousa, te dê para todo o sempre o descanso eterno, bem como aos teus companheiros de labuta que contigo pereceram e a todos aqueles que jazem nas águas veneráveis, que é o mar e que, como vós, também foram mártires do destino”.

E continuei, solitário, a estender meu olhar para esse maravilhoso e quase sem fim tapete azul, refletindo sobre a vida e no que o futuro nos pode reservar.

O mar, que nos oferece o cheiro às algas e nos dá tantas outras riquezas é, às vezes, bondoso, mas temível noutras ocasiões!

Graciano de Sousa Fernandes, sobrinho do náufrago Manuel Sousa e tripulante do barco “Jorge de Jesus”, por ironia do destino não fez parte, nessa fatídica noite, da tripulação. Em homenagem aos companheiros que pereceram, escreveu a seguinte letra, cantando-a:
Foi a 30 de julho/Que ao mar de Âncora se passou/Um vapor norueguês/Abalroou um português/Que em seguida se afundou.

Eram 11 tripulantes/Que nesse barco embarcaram/Depois de luta tremenda/Dos 11, só 6 voltaram.

Ai que desgraçada vida/Ó que derradeira cruz/O barco que afundaram/Era da praça de Viana/Era o “Jorge de Jesus”.

E eu que fiquei em terra/Nossa Senhora da Guia/Ainda volto para o mar/Mas de joelhos vou rezar/ À Senhora d`Agonia.

Otelo de Sousa

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