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Foi desta expressão popular, indubitavelmente criada pelos homens do mar, que me lembrei quando li o documento que hoje aqui quero partilhar.

Como julgo ser sabido, durante muito tempo, sempre que a Coroa tinha necessidade de efectuar transportes de tropas, em especial se se revestiam de carácter de urgência, para os territórios ultramarinos, era ordenado que nos principais portos nacionais, ou até mesmo na totalidade dos portos marítimos, se procedesse à inventariação de todas as embarcações que neles então se encontravam e cujas características, mormente no que concerne à capacidade de transporte e ao armamento, possibilitassem o seu fretamento pela Coroa para o efeito pretendido.

Uma das vezes em que tal ocorreu, teve lugar em 1637, com o propósito de enviar socorro militar para Pernambuco.

Tanto quanto foi possível apurar as autoridades locais de cada porto responsáveis pelo cumprimento de tal ordem, talvez por excesso de zelo, embargavam todas as embarcações, com excepção das de pesca e do tráfego local, que se encontravam nos respectivos portos, embargo esse que se dilatava no tempo, casos havendo em que tal embargo superava um ano, sendo os navios que se encontravam nesta situação referidos como “estando presos ao serviço da Coroa”, facto que acarretava óbvios prejuízos aos respectivos proprietários e, em muitos casos, às suas tripulações.

De uma situação semelhante se queixava Marcos Fernandes Monsanto, proprietário de 2 engenhos de açúcar na capitania de Espírito Santo, Brasil, que se vira forçado, porque para aquela capitania não havia navegação habitual do Reino, a mandar construir, nuns estaleiros em Viana do Castelo, um navio, por forma a para ali poder conduzir o material necessário ao funcionamento dos seus engenhos, navio esse que poderia servir igualmente para escoar a produção de açúcar desses engenhos. O navio, que ao tempo do embargo, já se encontrava pronto e estava carregado com os cobres, as caldeiras, pregos e ferragens para os engenhos, era um navio de lote até 160 caixas, com uma gávea e uma coberta para 10 marinheiros e moços, já tendo igualmente embarcados os mantimentos necessários à viagem. Acrescentava ainda o interessado, no seu requerimento, que o navio não tinha qualquer préstimo para a Coroa pois não tinha artilharia, nem tinha sido construído para a poder ter.

Referia, por fim, os grandes prejuízos, decorrentes do embargo, que lhe eram provocados, quer pela deterioração dos mantimentos embarcados quer pelo atraso no funcionamento dos engenhos, salientando também os que a Coroa teria, dado que assim deixaria de cobrar as consequentes receitas derivadas das taxas ao açúcar produzido.

Face à reclamação foi mandada averiguar da veracidade do alegado, sendo os pilotos de Viana do Castelo, Leonardo Gomes e Manuel Afonso Argela, encarregados de o fazer, vindo estes a confirmar, na totalidade, as afirmações do proprietário (inclusive até a propriedade dos engenhos de açúcar na capitania de Espírito Santo !). Face à informação prestada o Governador, por despacho de 13 de Janeiro de 1638, decidiu levantar o embargo àquele navio, possibilitando assim que seguisse a viagem programada.

Carlos A. da E. Gomes
Nota: O autor escreve ao abrigo do anterior acordo ortográfico.

Fonte : Arquivo Histórico Ultramarino doc. 762 Baía LF

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