Um romance para ler nos tempos que vivemos

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“Memórias de Branca Dias” é um livro que Miguel Real escreveu em 2003 sobre a vida de uma mulher que nasceu e viveu em Viana no início de 1500.

O livro tem por base uma curta referência biográfica que o historiador Evaldo Cabral de Melo Neto fez em “O nome e o sangue – Uma parábola familiar no Pernambuco colonial”, onde fala de uma tal “Branca Dias, que fora natural de Viana da Foz do Lima. Ali, pelos derradeiros anos da década de 1520, casara com Diogo, também cristão-novo, comerciante grossista de tecidos”. Miguel Real, que tem uma larga produção de biografias e romances históricos, conta as andanças desta mulher, numa sedutora narrativa feita pela voz da própria personagem. 

A história de Branca e Diogo poderia ter sido uma banal história de amor, das que terminam com “tiveram muitos filhos e foram felizes para sempre”, mas torna-se numa aventura, por causa da intolerância religiosa: Branca Dias era judia e viveu poucos anos depois de, em 1496, D. Manuel ter expulsado os judeus de Portugal, obrigando os que ficaram à conversão, tornando-se cristãos-novos. Esta situação leva à fuga do seu marido, a que se segue a sua própria prisão e posterior fuga, para se juntar a Diogo, em Pernambuco, onde a sua história se veio a tornar lendária.

Infelizmente, este livro nunca teve um grande reconhecimento em Viana, porque através dele podemos mergulhar no ambiente da Foz do Lima, no momento em que a Praça (na altura Campo do Forno) ganhava forma, com a construção dos Paços do Concelho, do Chafariz e da Misericórdia. Nele é relatada a importância do comércio, através da figura do velho Joanes que “era dos curtumes, vendia peles de vaca e borrego para o Porto e era dos homens mais ricos de Viana” (p.70) e Diogo, que fazia pela vida “pelos montes a vender meias, fraldões, jaquetas, bragas pantalões e lençóis e fazia as estradas de Viana, Braga e Guimarães” (p.68). O livro tem sempre presente a precoce ligação de Viana ao Brasil (e a Pernambuco) – por terras onde já andaria Diogo Álvares, o lendário “Caramuru”, e onde, em 1534, Pero do Campo Tourinho seria agraciado com a capitania de Porto Seguro. E fala também do ambiente de intolerância com os judeus – e, quem pensa que não tiveram grande peso em Viana, lembramos que a actual rua da Amália (que já foi dos Seitães e Travessa do Hospital Velho) era, por estes tempos a judiaria da vila. 

Miguel Real conta, de forma romanceada, as andanças e a fuga de Branca Dias e de como, no Brasil, num ambiente de liberdade religiosa, ajudou o marido a montar e gerir um engenho de açúcar e, depois de enviuvar, criou um pensionato para ensinar meninas, filhas dos colonos, que o autor nos diz ser a primeira escola feminina no Brasil. Ao ler este percurso ficamos a pensar como a intolerância religiosa afastou de Viana uma mulher com tão grande valor.

Ler o livro, nos tempos que atravessamos, é um aviso contra a intolerância, o preconceito e o fanatismo – que transformam os que são diferentes de nós num perigo para a ordem sociedade – como nos faz crer um certo partido político… 

Hoje, Viana tem cerca de 2500 migrantes de 80 nacionalidades, muitos deles em busca de melhores condições de vida. Contrariando o espírito de intolerância, a Câmara Municipal está a tentar fixar estes cidadãos e aproveitar o seu dinamismo e as ideias novas que trazem e, para isso, nada melhor do que promover a sua integração. 

Por isso, depois da leitura deste livro, aconselha-se também que acompanhe (e participe) no trabalho que a Câmara Municipal desenvolve. E pode no site, em Áreas de Ação -> Coesão social -> Migrações.

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