(VII)-Reanimação estival na Ribeira Lima

Carlos Fidalguinho
Carlos Fidalguinho

Retornando agora, encerrado o parêntesis, a Portuzelo e às suas Festas Grandes, impõe-se desde já esclarecer que, estivesse em Lisboa, ou estivesse… no Caramulo, nunca o Zé António deixou de vir a Viana em Agosto dois anos seguidos!

Tudo fazia para não faltar às Romarias de Santa Marta e da Senhora d’ Agonia, tal como eu, entre 1959 e 1965 (nesse atingi a maioridade), anos em que vivia no Porto e também vinha passar esse mês de férias à Princesa do Lima. Pude por isso, a certa altura, beneficiar da posição de informal privilégio de que, embora já não pertencendo ao elenco activo, ele continuava a desfrutar entre os membros do rancho folclórico, mercê do seu carácter extrovertido “até debaixo d’água”. Estava presente à chegada, na antevéspera, de certos agrupamentos, os mais prometedores, o que permitia programar algum convívio com quem mais interessasse; ajudava a conduzir aos aposentos que lhes estavam destinados, no labirinto da cidade, as bailadoras descasadas a quem essa amabilidade aprouvesse. O alojamento mais castiço, aliás, o principal, era o do Convento do Carmo (creio que ainda hoje lá funciona um albergue de apoio aos romeiros de Santiago); da primeira vez que lá entrei, ultrapassado em conjunto o controlo expedito dum porteiro bonacheirão que de início me estranhou por numa animada minitrupe de folcloristas a falar inglês haver um varão trajando em modo gravatológico, nem queria acreditar: os “quartos” não tinham camas!

Eram salões enormes com filas de colchões assentes no chão, em paralelo, onde as pessoas, à larga, se sentavam, se deitavam, se ajoelhavam, faziam tudo o que lhes apetecesse, de comum acordo, à vontade, em surdina, não à vista de todos, enfim, porque a penumbra crepuscular encobria as faces que só os isqueiros por um momento alumiavam, para orientar a saída daqueles que, prezando a privacidade alheia, se retiravam rumo aos claustros, onde, aí sim, noite dentro, sem abusar, havia gargalhadas e trinavam violas, bandolins e cavaquinhos (e, a meu crédito, episodicamente, ferrinhos).

A nossa coroa de glória (pelo menos, a minha) sucedeu no, salvo erro, X Festival, em 1964. Nesse ano, como nunca antes, a comissão de festas da Romaria cedeu à pressão da “indústria do folclore” nascente e, levando de vencida a brava contestação dos puristas da etnografia, convidou de Israel, não um rancho folclórico tradicional, dos kibutzim da Palestina, mas antes um autêntico corpo de baile, patrocinado pelo Ministério da Cultura hebraico e tirocinado nos Estados Unidos, que se exibia em diversas variantes duma dança típica dos judeus da Europa Central, a “hora” (roda), cujo nome, aliás, integrava o do próprio grupo: o Hora Dance Group, de Jerusalém.

Pois em boníssima hora o fez, a bendita Comissão, que aquelas desenvoltas dançarinas da Terra Santa tinham o condão angelical, o sortilégio, de sublimar o pecado… Da língua delas, transliterado, remanesce o ósculo, com mais encanto, na hora da despedida: «Ani ohev otach meod!», mas quando as conhecemos, no sábado, dia 8 de Agosto, o Don José António provou do seu próprio veneno: ser o mais guapo não garante a melhor conquista amorosa! Ainda estávamos ambos a apalpar terreno e eis que uma loira dominadora, nada das suas preferências, se atracou a ele com tal afinco que não mais o largou, podendo eu assim, sem concorrência à altura, escolher garboso a moreninha Hannah.

A foto representa os dois pares num intervalo dos ensaios de palco. Por falar nisso, devo dizer que no final fomos os dois bastante injustiçados. Depois dum serão de labor intensíssimo, que exigira mesmo ensaiar, ao luar do claustro, retemperantes cantigas populares, tendo as nossas acompanhantes manifestado especial interesse em aprender uma delas, que logo ensinaram às colegas, combinando cantarem-na em coro a terminar o seu show no Festival («Eu hei-de te amar, de dia ao sol, de noite ao luar!»), não merecíamos que ficasse depois a constar, como ficou, que os elementos femininos daquele grupo cantaram em português “A Rosinha”, que tinham aprendido acolá em dez minutos…!
(continua)

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