XVIII – O´Keefe

Américo Carneiro
Américo Carneiro

A planta “Jack-in-the-Pulpit” é nativa dos Estados Unidos da América e do Canadá, onde prolifera um pouco por toda a parte, preferindo, no entanto, os escusos solos húmidos e sombrios. Muito discreta, é uma planta venenosa e a sua pequena flor é carnívora, provida no seu interior de um suco pegajoso que exala um odor intenso que atrai os mais pequenos insectos. O seu nome científico é Arisaema Triphyllum e é conhecida entre nós (creio que há jardins que a cultivam um pouco por todo o mundo) por Arisaema, género de plantas com flores da família Arum, “Araceae”…

Através deste quadro, de grande escala (76X102), mergulhamos no secreto interior da florzinha do “Jack-in-the-Pulpit” através do retrato pormenorizado, muito realista, dos poucos milímetros dos seus órgãos sexuais. Georgia O`Keefe usou um processo fotográfico – o “zoom” – e isolou o tema do seu contexto. Em seguida, reproduziu-o em grande escala, conseguindo um genial “abstracto” que afinal…não o é…apesar de também o ser!…

O azul e o negro alimentam o carácter secreto e misterioso do tema; o branco traduz a luz e a revelação com que se dinamiza a narrativa pictórica e o verde da sua seiva, expressão de natureza vegetal – substituíssemos este verde pelos tons encarnados e teríamos a realidade humana dos órgãos sexuais femininos trazidos à luz. Por um fenómeno psicológico de associação já isso se torna automático, aliás. E usando o conceito fotográfico de “negativo”, bastará observar o quadro sob intensa luz solar durante um ou dois minutos, depois cerrar os olhos para que a imagem fotográfica se forme na nossa mente, e o verde passará a encarnado…

Isolamento das imagens reais dos seus contextos através da sua ampliação (“zoom”), abstraindo-as e modificando as suas escalas, criação de novas (e sempre relativas) proporções e intensificação de linhas e cores atingindo esmeros de grande sensualidade, eis os rasgos de génio que Georgia O`Keefe trouxe para a Arte e para a História da Arte. São estas as pistas que nos legou,  as mesmas pistas com que foi dotada para a observação da Natureza – a que se habituou durante a infância –, para a Pintura, e para a Fotografia que estudou em profundidade e praticou ao longo dos seus frutuosos 98 anos.

   De facto, mais de metade desta longa vida foi dedicada ao grande amor da sua vida, Alfred Stieglitz, grande fotógrafo e galerista de Nova Iorque. Este, muito mais velho que ela, tendo-a conhecido bastante jovem, tudo fez, sempre, para a catapultar para o lugar de mérito que, com toda a justiça, devia ser o seu.

   Alfred Stieglitz, além de galerista em diversas instituições, fundou em Nova Iorque três galerias de arte nas quais sempre manteve Georgia O`Keefe as suas geniais obras: – Primeiro, a Galeria “291”; – Depois, a “ The Intimate Gallery”/489, Park Avenue, que funcionou entre Dez. 1925 e Jun. 1929; – Finalmente, a Galeria “An American Place”/Manhattan, que funcionou entre 1930 e o ano da morte de Stieglitz, em 1946. Desta última, cito um fragmento de um seu catálogo, da autoria de Georgia O`Keefe e relativo às suas próprias obras:

   “…Uma flor é relativamente pequena. Toda a gente tem muitas associações com uma flor – a ideia de flores. Quando estendemos a mão para tocar numa flor – inclinamo-nos para a frente para a cheirar – talvez lhe toquemos com os lábios quase sem pensar – ou a ofereçamos a alguém para lhe agradar. Ainda assim – de certa forma – ninguém vê uma flor – realmente – é tão pequena – não temos tempo – e ver leva tempo, assim como ter um amigo leva tempo… Então, eu disse para mim – vou pintar o que vejo – o que a flor é para mim, mas vou pintá-la em grandes dimensões e eles” (o público) “ficarão surpreendidos por terem que levar tempo para a observar – Vou fazer com que, mesmo os apressados nova-iorquinos, tenham que levar algum tempo para a observar…”

N.R. – O Autor não segue as normas 

do novo Acordo Ortográfico.                            

Outras Opiniões

Os leitores são a força e a vida do nosso jornal Assine A Aurora do Lima

O contributo da A Aurora do Lima para a vida democrática e cívica da região reside na força da relação com os seus leitores.

Item adicionado ao carrinho.
0 itens - 0.00

Ainda não é assinante?

Ao tornar-se assinante está a fortalecer a imprensa regional, garantindo a sua
independência.