XX: Moholy-Nagy

Américo Carneiro
Américo Carneiro

Na brilhante Rússia Czarista, em 1913, nascia o Construtivismo, movimento artístico e filosófico que, além de adoptar o Abstraccionismo como bandeira, pretendia passar além de todas as fronteiras conhecidas até então. Todos os princípios da Arte eram postos de parte; o Homem deixava de ser “a medida de todas coisas”, cedendo o seu lugar “à realidade do nosso século que é a Tecnologia: a invenção, a construção e a manutenção das máquinas… para usar as máquinas é preciso viver de acordo com o espírito deste século … as máquinas substituíram a espiritualidade transcendental das eras passadas…”(Moholy-Nagy, num seu artigo escrito em 1922). A Arte devia tomar como modelos tanto as formas como os processos da Tecnologia e, não mais, os modelos da Natureza – por isso, na “construção” (daí, o nome dado ao movimento, “construtivismo”) da nova Arte, técnicas, materiais (“novos” materiais) e elementos constitutivos deveriam estruturar-se de tal forma que, impecavelmente abstractas, evocassem formas “futuras” sem gravidade, suspensas apesar de interligadas, de grande apuro tecnológico e arquitectónico. Isto vai passar a ser sobretudo visível na escultura        (V., p.f., Naum Gabo), dado a sua natureza tridimensional.

   O núcleo inicial do movimento construtivista integrava, para além do já citado e genial Naum Gabo, nomes como Vladimir Tatlin, Aleksandr Rodchenko e El Lissitzky. Este, tal como o Pintor Suprematista (antecipando o Minimalismo dos anos 60) Kasimir Malevich, tiveram uma enorme e directa influência sobre Moholy-Nagy. Lissitzky, por exemplo, foi em profundidade estudado por Moholy-Nagy e as suas teorias e experiências amplamente divulgadas nas aulas que Moholy-Nagy deu na Bauhaus de Weimar e Dessau, na Alemanha, e na Nova Bauhaus que fundou e dirigiu na República dos Estados Unidos da América, depois que para lá se dirigiu em finais dos anos 30.

   Lazló Moholy-Nagy, jovem estudante de Arte em Budapeste, na sua Hungria natal, foi muito influenciado pelo Dadaísmo numa primeira fase, e, depois, decididamente abraçou o Construtivismo nos princípios, nos processos, no experimentalismo. Com a mesma paixão com que abraçou a Arte e o Ensino vivendo-os e deles vivendo tal como se fosse um engenheiro, um arquitecto, um cientista. Todos os dias da sua vida. E fez Escultura com materiais (até então) de sonho, fez Fotografia como nenhum outro, foi Escritor e Ensaísta como poucos o foram, e, como Pintor, um caso único…

   Neste quadro, “Cruz Vermelha e Bolas Brancas”, as formas geométricas, abstractas, flutuam em inesperadas sobreposições que, aqui ou ali, indiferentes às leis da gravidade, parecem querer tornar-se tridimensionais. As cores que usa, são as primárias, o vermelho, o amarelo e o azul, tal como previsto pelos pais do Construtivismo, lição interiorizada por Moholy-Nagy com paixão. E tudo parece evocar os movimentos de máquinas “que ainda não existem”, de tecnologias que se adivinham, “embora longínquas”, e, sobretudo, de um mundo “à parte” tomado por uma “energia” que, inexorável e poderosamente, atravessa e vivifica a palpitante composição…Olhando este quadro pela primeira vez, a cruz vermelha parece sobrepor-se “sobre planos inferiores” e é então que os nossos olhos se apercebem que sobre a cruz vermelha existe, traçado a exíguo traço azul, um prodigioso rectângulo em posição oblíqua que, acariciando os nossos olhos e o nosso cérebro, nos traz a Visão da obra, nos envolve em mansa entrega (“quebrando resistências?”) e nos embala em aventuras sensoriais de uma “outra” grandeza…  

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