XXIX. GLEIZES

Américo Carneiro
Américo Carneiro

Em primeiro plano e de costas para o observador, vemos claramente o caçador guia ou batedor com sua trompa de caça debaixo do braço direito e os cães (“Beagles”), rodeando o grupo de caçadores a cavalo. A partir deste grupo de cavaleiros, que deve ser numeroso mas do qual apenas se vislumbram três, pode traçar-se uma linha de perspectiva em diagonal que corte a composição em dois triângulos rectângulos iguais. A linha diagonal pode ver-se traçada entre o ângulo superior esquerdo (ângulo menor do triângulo rectângulo esquerdo) e o ângulo inferior direito (ângulo menor do triangulo rectângulo direito). E, por isso, pode verificar-se, na metade triangular esquerda da tela, uma concentração de formas, padrões e cores que praticamente a satura. Na metade triangular direita da tela, dá-se o inverso: a perspectiva é alongada, espraia-se, quase se esvaziando, até atingir as linhas do horizonte e do céu, estando esta já no topo  e fechando toda a cena. Na linha do horizonte, o pastor e a sua família observam, atentos, o garrido ajuntamento enquanto, um pouco mais distante, o rebanho pasta, num belo e bucólico apontamento de contraste. Por último, na linha do céu, é bem visível a aldeia com seus telhados coloridos por entre os quais desponta a torre da igreja. As dimensões da tela aproximam-se das “dimensões ideais” da Proporção Áurea (“Section d`Or” = “Secção Áurea”), conforme formuladas – ou reformuladas – pelo matemático italiano Fibonacci na sua célebre “Sequência” (Séc. XIII). A tela tem a forma de um rectângulo “perfeito” cuja base assenta sobre um dos seus lados menores paralelos. É fácil dividir este plano rectangular da tela em dois novos rectângulos e observar que o inferior abriga a maior concentração (“maior peso”) de formas, padrões e cores e marca o primeiro plano na composição; o rectângulo superior é desanuviado de elementos e eles estão bastante mais distanciados entre si, e expande-se em perspectivas e atmosferas.

Embora n`”A Caça” se explore a “profundidade” da cena nas perspectivas e planos geométricos mais diversos, o seu tema não respeite os cânones temáticos “Retrato/Natureza Morta” impostos pelo Cubismo inicial, a composição é claramente cubista, eivada de um cubismo que foi temperado pela adopção da perspectiva e de um tema estranho ao cânone “retrato/natureza morta”, assim como assumiu as teorias estéticas das “proporções ideais” e da depuração geométrica. É a demonstração daquilo a que hoje chamaríamos “cubismo científico”, cubismo da “Séction d`Or” (ou “Grupo Puteaux”), onde imperavam nomes como Fernand Léger, Marcel Duchamp, Jean Metzinger ou Albert Gleizes. Depois das iniciais experiências estéticas de Pablo Picasso e de Georges Braque – ou em paralelo com estas, realce-se – as variantes do Movimento Cubista diversificaram-se: cubismo científico, analítico, sintético, orfismo, cubismo de cristal, etc. (V., p.f., o artigo “XII. Guttuso”, na rúbrica “Amados Quadros” d`”A Aurora do Lima” N.º 13, Ano 167, de 14.04.2022).

Quando, em 1912 (no ano a seguir à produção de “A Caça”), os artistas da “Section d`Or” decidem fazer uma grande exposição colectiva em Paris, a chamada “Salon de la Séction d`Or”, com as suas obras mais representativas também apresentam ao público o mais famoso manifesto do Cubismo até hoje escrito. Chamava-se “Du Cubisme” e eram seus autores Albert Gleizes e Jean Metzinger.   

N.R. – O Autor não segue as normas do novo Acordo Ortográfico

 

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