“A persistência é a palavra que traça o nosso caminho na agricultura biológica”

Três jovens limianas decidiram tornar-se agricultoras e começar a produzir produtos 100% biológicos. Sem qualquer conhecimento na área, as dificuldades foram muitas, mas rapidamente o gosto tornou-se rotina. Em entrevista ficamos a conhecer este projeto e percebemos que a persistência é um fator importante.

Como surgiu o projeto?

O projeto surgiu em 2015. Numa época em que a Vanessa e a Daniela estavam desempregadas, e eu (Juliana) só trabalhava da parte da manhã a dar explicações. Os meus pais tinham um terreno em Ponte de Lima que estava parado, então imediatamente pensamos em dinamizar aquelas terras. Tivemos uma sugestão em começar a fazer horticultura em modo biológico. Mas não éramos da área e não sabíamos nada. Foi um processo de aprendizagem.

Eram ligadas a esta área? Profissionalmente ou academicamente? 

Não. Somos de áreas diferentes. Uma ligada à área de animação sociocultural, outra ligada ao serviço social e outra em engenharia civil. 

Como chegaram ao nome “Bio Boucinha – Ingrediente Positivo”?

Inicialmente o nome tinha a ver com os primeiros terrenos porque tinham o nome de Leiras da Boucinha, então demos o nome de Bio Boucinha. Quando criamos a empresa, por questões contabilísticas, acabamos por registar e dar o nome de Ingrediente Positivo. Não gostamos logo do nome, mas acho que nos habituamos, e agora faz todo o sentido. 

Os vossos produtos são biológicos?

Sim, 100% biológicos e certificados. Fizemos logo a certificação dos terrenos quando começamos a produzir. Temos auditorias todos os anos, e somos sujeitas a uma determinada legislação que pressupõe determinadas regras. Não se pode comercializar produto Bio sem antes certificar. 

Durante este caminho passaram por alguma dificuldade? 

Inicialmente tivemos que trocar de terreno, porque apesar de ter um valor sentimental, infelizmente os terrenos não eram fiáveis e rentáveis. Não era possível montar uma estufa. Agora produzimos noutro local, que são propriedade dos meus avós. Localizam-se em Refoios. O terreno é amplo e com bons acessos. O que já permitiu montar as estufas. Outra dificuldade foi o facto de não termos conhecimento. Tivemos três anos sem receber um cêntimo, era só o dinheiro que juntávamos das poucas vendas que tínhamos que era para comprar coisas pequenas que faziam falta. Ninguém recebia nada. E a agricultura em modo biológico pressupõe um determinado tempo de transição, ou seja, nós não conseguimos vender logo em modo biológico. As terras ficam em conversão, no primeiro ano é C1 depois é C2, e quando está em C2, ou seja, no segundo ano de conversão é que nós podemos começar a comercializar. 

Como é que as pessoas podem chegar até aos vossos produtos?

Nós trabalhamos com venda ao consumidor final através das nossas redes sociais. Costumamos informar o que temos em cada semana e as pessoas que estiverem interessadas entram em contacto. Temos uma parceria com dois supermercados, e por vezes fazemos revenda.

Há fatores que condicionam a produção…

Sim, há partes na agricultura que são ingratas. E claro que há fatores que nós não controlamos e não podemos fazer nada. Como por exemplo, o clima. E a nossa produção para além de ser biológica é muito natural.

A agricultura é vista como uma “profissão” em Portugal? 

Não. As pessoas olham para a agricultura como uma coisa simples e fácil, como um passatempo. O que é totalmente errado, a agricultura pressupõe de muito conhecimento, e é uma profissão tão digna como outra. Mas não só pelas pessoas, o próprio Estado não olha para a agricultura como um trabalho e apoia só algumas áreas.

A agricultura é a vossa profissão?

Sim. É a nossa profissão, e somos nós que trabalhamos e produzimos tudo. Gerimos a nossa agenda, tendo em conta os objetivos de época. Mas é importante olhar para este projeto como uma empresa, não fazemos só o trabalho de campo. Nós somos agricultoras, mas para além do trabalho no campo temos outros trabalhos, tudo o que envolve uma empresa. Uma vez disseram-me: “na agricultura biológica é preciso três coisas: Ser persistente, persistente e persistente”. E agora percebemos. Não controlas a natureza, ou seja, vai haver alturas em que ela te dá tudo e outras que te vai tirar tudo. Faz parte, e não podes fazer nada para contrariar. Já para não falar do facto de sermos três mulheres, algo que também foi uma dificuldade. Lembro-me de ir pedir orçamentos e as pessoas olharem de cima a baixo. E até fazer negócios externos com homens é muito engraçado, porque eles não acreditam e pensam “coitadas”. Por isso é que a persistência é a palavra que traça o nosso caminho na agricultura biológica.  

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